sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Alfabetização e Letramento

METODOLOGIA DA APRENDIZAGEM

  — O que é letramento?
  — Como surgiu?
  — Qual a diferença entre alfabetização e letramento?
  — Qual o papel do professor?

        Letramento é o estado que um indivíduo ou um grupo adquire por ter se apropriado da escrita podendo assim não só produzir como também interpretar qualquer tipo de texto. É o desenvolvimento das habilidades de uso em atividades e leitura e escrita nas praticas sociais que envolvem o sistema. No entanto, mesmo quem não é alfabetizado pode ser letrado desde que, consiga se inserir no contexto social.
       O surgimento deu-se na metade dos anos 80 quando começou a aparecer no discurso de especialistas e na obra No mundo da escrita, uma perspectiva psicolinguística, de Mary Kato.
     Segundo Soares, alfabetizar-se é adquirir a tecnologia do ler e escrever, a codificar e decodificar uma língua.
     Já o letramento é um estado ou condição de indivíduos que interagem em diferentes gêneros e tipos de leitura e escrita, com as diferentes funções que a leitura e escrita desempenham em nossas vidas. O letramento possibilita a inserção de indivíduos na cultura, na relação com os outros. O individuo torna-se diferente, no falar, no pensar.
O papel do professor é criar condições para a introdução do aluno no mundo da leitura e escrita  e incentivar o desenvolvimento de habilidades de uso em atividades nas práticas sociais. O professor deve também despertar nos alunos o interesse e gosto pela leitura e escrita, desenvolvendo capacidades cognitivas e construindo estruturas que lhe possibilitem novas aprendizagens. Nesse contexto, o professor deve estar sempre se atualizando, aprimorando seus conhecimentos, renovando as propostas e metodologias pedagógicas. Portanto, é fundamental que o professor seja letrado.

METODOLOGIA DE APRENDIZAGEM
Português / Alfabetização

As capacidades linguísticas da Alfabetização

            O desenvolvimento das capacidades linguísticas de ler e escrever, falar e ouvir com compreensão, em situações diferentes das familiares, não acontece espontaneamente. Elas precisam ser ensinadas sistematicamente e, principalmente, nos anos iniciais da Educação Fundamental. Por essa razão, o principal objetivo deste texto é contribuir para que o professor  que alfabetiza compreenda os processos envolvidos na aquisição de nosso sistema de escrita alfabética e das capacidades necessárias ao aluno para o domínio dos campos da leitura, da produção de textos escritos e da compreensão e produção de textos orais, em situações diferentes das corriqueiras no cotidiano da criança.
            Um sistema de escrita é uma maneira estruturada e organizada com base em determinados princípios para representação da fala. Há sistemas de escrita que representam o significado das palavras e há aqueles que representam o som da língua, sua “pauta sonora”. Nosso sistema de escrita (chamado alfabético ou alfabético ortográfico) representam “sons” ou fonemas, em geral cada letra correspondendo a um “som” e vice-versa.
            Sabe-se que os 3 anos iniciais da educação fundamental não esgotam essas capacidades linguísticas e comunicativas, que se desenvolvem ao longo de todo o processo de escolarização e das necessidades da vida social. Sabe-se, também, que o trabalho a ser feito nesses três anos iniciais não se esgota na alfabetização e no aprendizado da língua escrita que vem se concentrando os problemas localizados, não apenas na escolarização inicial, como também e, fracassos no percurso do aluno durante sua escolarização.
            O que se pretende oferecer, nesta abordagem, é uma expectativa das capacidades linguísticas que as crianças devem desenvolver gradualmente, ou seja, daquilo que cada criança deve ser capaz de realizar a cada ano. O aprendizado e a progressão da criança, entretanto, dependerão do processo por ela desenvolvido, do patamar em que ela se encontra e das possibilidades que o ambiente escolar lhe propiciar, em direção a avanços e expansões.
            A consolidação desses princípios deve combinar com as propostas para os demais anos da Educação Fundamental, bem como com propostas das outras áreas curriculares desenvolvidas na fase inicial da escolarização.


quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Indisciplina e o processo educativo


COMO DEFINIR A INDISCIPLINA?

·         A indisciplina é um problema real tanto na sala de aula como na escola.
·         A indisciplina implica desobedecer às normas estabelecidas e pode expressar-se de vários modos. Por exemplo: recusar-se a aprender, não respeitar as regras, manifestar condutas inadequadas, fazer barulho e brincadeiras durante a aula, etc.
·         Deve-se diferenciar violência  de indisciplina, pois esta, ao contrário daquela, deve ser objeto de reflexão e de busca por parte do professor.
·         Se é verdade que sempre houve problemas de indisciplinam, o desconhecimento das fronteiras entre disciplina e indisciplina fez com que esta última se tornasse um termo fundamental da Educação.
·         Toda conduta que parece inadequada se transformou em um sintoma de indisciplina, a tal ponto que se julga, muitas vezes, que as crianças precisam receber tratamento. Assim, um problema social se transforma em questão psicológica. Mas não é com remédio que se resolve o problema de indisciplina na sala de aula.


 COMO DEFINIR A INDISCIPLINA?

Que deve fazer um professor na sala de aula? Ensinar ou manter a disciplina?
A disciplina faz parte da vida da escola. Mas como definir a disciplina e a indisciplina? Que dizem os professores?
Três pesquisadores, Petinarakis, Gentili e Sénore, interrogaram, em 1997, um grupo de professores, dos quais 90% afirmaram que a indisciplina é um problema real, tanto dentro da sala de aula como na escola. Para muitos deles, a disciplina é instrumental, é uma técnica de gestão de grupos e não deve ser prescritiva nem descritiva. Alguns defendem que a disciplina é u  instrumento de iniciação ao senso moral e representa um meio de educar o aluno; para os demais, ela é uma maneira de reconhecer o outro. Esse último ponto refere-se à necessidade de trabalhar com a heterogeneidade dos alunos. As respostas dos professores mostram claramente que são eles que devem ajudar os alunos a interiorizar progressivamente as regras no sentido da responsabilidade, Para eles, a disciplina não é sinônimo de poder, e sim um instrumento para o sucesso. Além do mais, a disciplina apresenta-se como maneira de ser e de se comportar que permite ao aluno alcançar seu desenvolvimento pleno, tomando consciência da existência do outro, e que ajuda, ao mesmo tempo, a respeitar as regras como requisito útil para a ação. Para esses professores, um aluno indisciplinado é aquele que é provocador (80%), aquele que rejeita as regras (60%), aquele que pode ser insolente e bagunceiro (70%) ou, ainda aquele que realiza atos de vandalismo, estragando, por exemplo, o material (50 %).
Todos os professores pensam que podem, num dado momento, gerar indisciplina ao cometer injustiças em relação aos alunos, como, por exemplo, demonstrar a preferência por algum deles, estabelecer regras contraditórias, fazer exigências impossíveis de cumprir, não saber ou não conseguir se comunicar.
Problemas de ordem pedagógica têm uma forte influência na emergência de fenômenos de indisciplina, e ao analisá-los pode ser de especial ajuda para o professor.

Como definir, então, a disciplina?
No sentido mais geral, a disciplina aparece como um conjunto de regras e obrigações de um determinado grupo social e que vem acompanhado de sanções  nos casos em que as regras e/ou determinações forem desrespeitadas. Um dicionário atualizado de educação diz que a disciplina é um conjunto de regras de conduta, estabelecidas para manter a ordem e o desenvolvimento normal de atividades em uma aula ou num estabelecimento escolar.
Uma pergunta fundamental seria: qual a legitimidade da regra e do poder daquele que exerce a força? Para muitos autores, a disciplina na escola tem a ver com o exercício de um poder, o do adulto sobre a criança, o do professor sobre o aluno. Esse poder é outorgado ao professor pelos pais da criança, que lhe deixam  exercer, por um tempo limitado, a autoridade parental; e pela sociedade, que exige do professor que exerça sua profissão. A disciplina aparece aqui como uma regra coercitiva à qual o indivíduo se submete por interesse (medo do castigo ou desejo de recompensa).
A disciplina pode ser olhada também como corretiva. Por exemplo, quando na sanção consiste em repetir com ortografia correta uma palavra que foi escrita de forma errada. Porém, o castigo só pode ter um valor educativo se quem o recebe compreende a razão. Isso depende da idade e também, claro, da complexidade da situação. Quando há uma relação exagerada entre disciplina e obediência ou disciplina e submissão, a disciplina pode ser até negativa. O elemento negativo aparece quando a conduta que o professor classifica como inadequada for tacada de indisciplina. Por exemplo, se o aluno conversa com outro por conta de um problema que foi proposto na sala de aula ou, então, quando o aluno não concorda com a solução do professor, etc. Essas condutas  não devem ser vistas como atos de indisciplinas, e sim como associadas à criatividade do estudante. Se a disciplina só existe pelo medo que o aluno tem de ser castigado ou quando o professor adota uma postura autoritária para estabelecê-la, ela se torna negativa porque, e vez de permitir que o aluno cresça e conquiste sua autonomia, ela o infantiliza e o mantém dependente.
Porém, é evidente que disciplina não é necessariamente negativa. A obrigação de respeitar as regras existe em todos os jogos sociais e esportivos nos quais as regras são a razão de ser e o vínculo entre os participantes.

POR QUE E COMO SURGEM OS PROBLEMAS DE INDISCIPLINA?

Os problemas de indisciplina  se traduzem de diferentes maneiras. Por exemplo, por meio de condutas como rejeitar a aprendizagem, faltar à aula, não levar os materiais escolares ou não fazer as tarefas. Outra forma é o desrespeito às normas elementares de conduta sem que exista necessariamente a intenção de molestar. E, ainda, os problemas de indisciplina podem se manifestar através de condutas destrutivas. Por exemplo, o aluno fica em pé frequentemente, interrompe o professor, tenta chamar a atenção, etc. essas condutas são incomodas e desagradáveis, tanto para o professor quanto para outros alunos. Em casos extremos, aparecem condutas agressivas.
O conceito de indisciplina não apenas se traduz de múltiplas maneiras, mas é também objeto  de múltiplas interpretações. Assim, a questão pode ser observada a partir de diferentes marcos de referência: do aluno, do professor ou da escola. Se considerarmos o referencial do aluno, a noção de indisciplina se expressa em suas condutas, nas inter-relações com seus pares e com os profissionais no contexto escolar e, ainda, no contexto do seu desenvolvimento cognitivo.
Um aluno indisciplinado, portanto, é aquele que possui uma conduta desviante em relação a uma norma explícita ou implícita.


COMO ENFRENTAR A INDISCIPLINA NA ESCOLA?

Olhando pelo referencial da escola e na medida em que se manifestam as contradições com relação aos referenciais  que ela assume, poderia se considerar que é a escola a indisciplinada. Por exemplo, uma escola que se assume como democrática e que manifesta uma ausência desses valores na forma de articular as relações entre alunos e professores pode desencadear resistência, oposição e rebelião por parte dos alunos. A rebelião que, sem considerar o contexto, poderia ser vista como uma forma de indisciplina encontra aqui legitimidade e pertinência.
Se tomarmos o professor como ponto de referencia, são suas condutas que aparecem como indisciplinadas quando ele não respeita as normas estabelecidas. Além do mais, muitas vezes, a forma de intervir do professor para estabelecer ordem pode gerar indisciplina nos alunos.
E, cada caso, é necessário questionar o grau de participação da escola na causa da indisciplina, e não assumir a posição ingênua e autoritária que sugere, sem fundamento algum, que o problema reside e se origina na atitude do estudante. Se o objetivo for, por exemplo, a formação de um adulto crítico, capaz de pensar e intervir na realidade social e exercer assim uma conduta cidadã, o exercício do pensamento crítico na escola pode tomar a forma de condutas de rebelião e criar situações de conflitos com as quais os professores não estão suficientemente preparados para lidar. Além do mais, nesse caso, podemos nos perguntar se estamos diante de uma indisciplina ou de uma consciência social em formação. É evidente que, se quisermos que os alunos avancem no sentido da cidadania, é necessário prepará-los para pensar e resolver conflitos. Se eles não se sentirem capazes de elaborar e participar na solução de problemas que, em última instancia, podem ir além dos problemas escolares, as condutas de indisciplina será inevitáveis. E a questão é que o professor também não está preparado para resolver os distúrbios que acontecem em sala de aula.
Reagir à indisciplina de maneira razoável, apostando no raciocínio das crianças, tem mais probabilidade de dar seus frutos em longo prazo. Mas é difícil alcançar um equilíbrio no ensino entre a promoção de uma consciência coletiva e o desenvolvimento do indivíduo.
Uma estratégia em matéria de conduta não serve se o aluno não vê interesse ou pertinência no que a escola propõe. Pode-se impor a obediência, mas não a vontade de aprender. É provável que as condutas que preocupam o professor sejam as condutas disruptivas na sala de aula, porque elas perturbam e o impedem de exercer a sua função. Como se manifestam essas condutas? O problema é que se manifestam em situações particulares e não se apresentam sempre da mesma maneira. Às vezes, é um pequeno grupo de alunos que, ao se aliar, desestabiliza a dinâmica da aula com condutas particular tais como o desafio verbal, a resistência às atividades propostas ou as brincadeiras insolentes em relação ao professor.
Essas crianças tentam testar o poder do professor e descobrir até onde podem chegar. Quando não consegue controlar a situação, o professor, inquieto e saturado, pode se expressar agressivamente, desqualificando o aluno que aparece como o mais provocador. Aluno e professor enfrentam, enxergam-se como inimigos potenciais e estão na defensiva. O problema é que, objetivamente, a relação professor/aluno é desigual. O adulto não pode se comportar feito  criança e a criança não é um adulto. Cada um tem seu papel e ambos ocupam lugares que não são intercambiáveis.  É preciso compreender que isso não significa que não possam colaborar e dialogar, mas, se adulto e criança fossem iguais, para que existiria a escola? As condutas e situações de indisciplina geram angústia e quando há angústia  não se pode estabelecer uma relação adequada entre professor e aluno;portanto, não se pode estabelecer um clima de trabalho e respeito mutuo.
Se os alunos tiverem na frente da turma uma adulto que os respeita, que os escuta, que os trata como pessoas que pensam e que têm o que dizer, e não apenas como alunos que não sabem, situações angustiantes, provavelmente, não ocorrerão.
Se as situações de indisciplina escolar têm relação com uma perspectiva pedagógica, isso não significa que outras  perspectivas não intervenham. Quais são as concepções das práticas disciplinares? Como situá-las no contexto cultural e sócio-educativo?
Em geral, o conceito de indisciplina é definido em relação ao conceito de disciplina, que na linguagem corrente significa regra de conduta comum a uma coletividade para manter a boa ordem e, por extensão, a obediência à regra. Evoca-se também a sanção e o castigo  que se impõem  quando não se obedece à regra. Assim, o conceito de disciplina está relacionado com a existência de regras; e o de indisciplina, com a desobediência a essas regras.
No plano individual, a palavra disciplina pode ter significados diferentes, e se, para um professor, indisciplina é não ter o caderno organizado; para outro, ma turma será caracterizada como indisciplinada se não fizer silencio absoluto e, já para um terceiro, a indisciplina poderá ser vista de maneira positiva, considerada sinal de criatividade e de construção de conhecimentos.
Por que, então, hoje falamos em indisciplina como se fosse um problema fundamental da educação?
É que as condutas indisciplinadas se generalizam, aas crianças já não obedecem mais, a ideia e limites desapareceu, a sociedade se transformou,  as crianças também mudaram e já sabemos o que é preciso fazer. Poderíamos dizer que a indisciplina é provocada por problemas psicológicos, ou familiares, ou da estruturação escolar, ou das circunstancias sócio-históricas, ou, então, que a indisciplina é causada pelo professor, pela sua personalidade, pelo seu método pedagógico, etc. Na realidade, a indisciplina não apenas tem causas múltiplas, como também se transforma, uma vez que depende de todo um contexto sociocultural que lhe dá sentido.
As regras de disciplina podem regular a conduta no sentido de permitir, proibir ou possibilitar. Podem, também, viabilizar a criação. Para isso, o professor deve deixar o aluno falar, perguntar, mexer-se,  expressar-se com  liberdade e elaborar as suas próprias ideias.
Porém, se a disciplina é uma prática social, ter disciplina para algo não significa ser disciplinado para tudo. A disciplina escolar não se identifica com ordem, e sim co  práticas que têm diferentes tipos de exigência. Assim como muitas  práticas sociais, as condutas de indisciplina chegaram  a se transformar num sintoma de um comportamento individual, um desvio, fazendo co  que os alunos sejam qualificados ou diagnosticados como instáveis, acelerados, egoístas, individualistas, desrespeitados, insolentes ou hiperativos. E mais, muitas vezes a indisciplina é interpretada como uma doença que deve ser curada com remédios. Então, prescreve-se ritalina para todos. A indisciplina vira problema para especialistas, médicos ou psicológicos, e deixa de ser um problema que concerne ao professor ou aos pais.


 Texto apresentado durante o Curso de Magistério.
 Professora D. Vanessa Barbosa


Escola Elementar Gambela, no distrito de Welisso, na Etiópia (Grau 1, música, 9 de outubro de 2009) Foto: Julian Germain/Classroom Portraits 2004-2012/Divulgação


Vi aqui

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Vamos aproveitar o que nos resta

O valioso tempo dos maduros
Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente do que já vivi até agora. 
Tenho muito mais passado do que futuro.

Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas.
As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo
que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis,
para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral.
As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa.
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, quero caminhar perto de coisas e pessoas de verdade.
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial!"
Bora ser feliz meu povo e minhas povas!!!!!!!
Mário de Andrade

terça-feira, 1 de setembro de 2015

O Brasil, o brasileiro e a farra

Este texto eu vi em Quebrando o Tabu no facebook, e resolvi trazer prá cá, naturalmente com autorização da página, porque é um texto ótimo e porque eu também penso assim.
A autoria se encontra abaixo. O texto não está titulado. O título é meu.
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O nosso negócio é farra. Desde 1500. Foder com os índios; barbarizar os negros e voltar pra Portugal ostentar cordão de ouro e madeira roubada.


Do período colonial até hoje, podemos contar nos dedos quem, de fato, quis construir algo por aqui. O Brasil era (era?) terra pra tirar onda, matar umas onças, umas pessoas e depois cair fora com o bolso cheio dos lucro.



Bons historiadores dizem que nossa independência foi piada por um longo tempo. Que continuamos dependentes de Portugal e da Inglaterra por décadas a fio. Que a família real só veio pra cá porque fugia de Napoleão e de sua revolução francesa. No Grito do Ipiranga não havia qualquer intenção de se construir uma nação, mas apenas um jogo de poder pra que o rei, o imperador - o caralho que for - fosse o manda-chuva por aqui.



A abolição da escravatura, afirmam, não foi feita por uma princesa altruísta e que tinha empatia pelos negros explorados há séculos, mas sim assinada de qualquer maneira por absoluta pressão internacional. Fomos o último país a abandonar o sistema escravocrata. O absurdo da escravidão durou exatos 358 anos no Brasil. Três séculos e meio tratando seres humanos como produto.



Mesmo após receberem suas cartas de alforria, os negros continuavam a se foder na vida. Poucos lhes davam emprego; na mesma época em que abolimos a escravidão, passamos a estimular a imigração planejada de europeus para trabalharem na lavoura. Assim os negros se manteriam à margem. Dito e feito.



No século XIX nos proibiram de fazer uma revolução industrial. A Inglaterra não deixava e ponto. Só fomos realizar nossa primeira revolução capitalista na era Vargas, na década de 30. Foi aí que começaram a surgir os primeiros pactos pra se formar uma nação. Ou, ao menos, tentativas de pacto.



Porém, as elites, muito bem estabelecidas, continuavam a tratar o país como colônia de exploração. Essas elites não tinham a intenção de tornar o Brasil um lugar maneirão pro coletivo, mas de manter vivo o status quo. A lógica que guiou as elites políticas, econômicas e culturais fundadoras do Brasil é a do extrativismo; físico e moral. Tirar da terra, do povo e por no bolso. Aumentar a quilometragem de latifúndios pelo Brasil afora. Por isso, qualquer tentativa de alterar as coisas por aqui passava pelo crivo de quem não queria, de fato, as coisas tão diferentes assim.



E assim seguimos por décadas. Passamos por uma ditadura sangrenta e altamente corrupta. O Brasil crescia, afinal, estávamos alinhados com as lógicas liberais norte-americanas e as indústrias chegaram ao ápice de sua capacidade produtiva. Porém, em meio a esse crescimento havia uma forte lógica desumana, patrimonial e repressora. A arte brasileira, crítica por essência, foi varrida do mapa pelos coronéis. Nossa capacidade criativa estava toda exilada; que era pra não morrer.



Caiu o autoritarismo e surge a Constituição de 88. Hora da verdade. Hora da mudança. Mas não foi bem assim. O Brasil é grande demais; difícil de administrar e fácil de se perder na burocracia. Tá desenhado o paraíso da corrupção. E assim foi (foi?). Os desvios de verba nos são culturais. A nossa elite política reflete a sociedade. Somos canalhas reclamando e gritando que canalhas não nos representam.



‘Isso não é problema meu’ poderia ser o lema do Brasil. Aqui cagamos e andamos pra vida do outro e temos orgulho disso. Temos orgulho de instituições policiais assassinas. Colocamos a culpa da cultura de estupro nas mulheres. Dizemos ‘alguma coisa ele deve ter feito’ se vemos um negro algemado. Afinal, quando algo - como a miséria e suas consequências - não é um problema nosso, sobra bastante tempo pra achismos de Moema.



Vivemos no século XXI, mas continuamos a explorar o espaço público como se estivéssemos em 1515. Seguimos uma busca incessante por levar vantagem; por fazer a festa e levar a uma parte do ouro pra nossa Portugal particular. Essa nova Portugal são nossas casas, nossos carros, nossas famílias.



Por aqui, dizer ‘hey, sua família é mais especial que aquela ali’, é um discurso que funciona bem. Queremos muito ser melhores que os outros. Se a família inteira for melhor, então, que maravilha. Esqueçamos do tio alcoólatra, do avô sonegador de imposto e dizemos que desgosto mesmo é ter um filho gay, uma filha que decide abortar; uma esposa que abandona o lar.



Por aqui, ainda é o fazendeiro dono de latifúndio que tem razão. Sabe aquele senhor branco, bem rico e com uma barriga enorme cheia de picanha e vinho Bordeaux? Pois bem, ele que manda no congresso e o senado. Ele que decide os fluxos da nossa economia. Ele, o senhor branco, gordo e rico tem nas polícias militares seus melhores capatazes. Desde 1800 e bolinha.



Agora, com toda essa estrutura continuadamente perversa, com toda essa sujeira histórica impregnada nos partidos, nas instituições e na sociedade, você acredita - de verdade - que temos uma solução pra 2018? Não temos. Não há representantes. Não há líderes. Não há ninguém disposto a arrancar privilégios desiguais das elites, refundar as estruturas do país e que, junto com esses objetivos, tenha a simpatia da nossa sociedade.



Eu pensei na hipótese de nomear esse texto com um título como ‘Brasil, país em estilhaços’, mas aí, conforme os argumentos históricos foram surgindo no meio dessa minha redação, refleti. Estilhaçado é aquilo que se quebra. O Brasil nunca quebrou. Nunca. Só quebra aquilo que um dia foi moldado, construído, planejado, estruturado. O Brasil é empurrado com a barriga há 5 séculos. ‘Deixa a vida me levar. Vida leva eu.’ Planejamento é coisa de mané.



O nosso negócio é farra. Mas, olha, na boa: nosso negócio faliu. Procura-se alguém disposto a redescobrir o Brasil.



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Fábio Chap é escritor e ativista. Autor do livro ‘Tive um Sonho Pornô. Escreve no Quebrando o Tabu às segundas-feiras.