quarta-feira, 29 de junho de 2016

INTEIREZAS




Se tiver que vir ate mim
venha que estou aqui,
mas venha por inteiro
traga consigo suas verdades
mas deixe algumas para que eu descubra
porque é mágico o descobrir.
Eu te direi das minhas
se quiser saber
que não gosto de nada morno
e tudo em mim é latente, desde as paixões
até as risadas escancaradas,
e minhas dores são fincadas
e soluço meus gemidos em alto e bom som
que tudo em mim é intenso
e por isso me dou na extensão.
Os dissabores não me afetam
só os desamores
que transformaram a pedra dura
em rio que corre.
É bom que saiba que sou vulcão
pimenta ardida, ervas e cheiros.
se vier venha em inteirezas
que da chuva sou tempestade
raios e trovão
e não sei me calar. Se vier
venha, mas venha com força
para que eu possa sentir
o seu coração.
Lécia Freitas

terça-feira, 28 de junho de 2016

Nos Escombros


Amanhã, após o sol, vou abrir as gavetas. Vou retirar todas aquelas coisas que me lembram você. Os papéis de bala com nozinho no meio, os cordões e fitas que amarraram presentes de outrora, mil bilhetinhos escritos até em guardanapos de bar, com declarações, e que contam nossa história, para mim tão linda. Vou retirar tudo, vou olhar até nos cantinhos e escaninhos secretos, sem dó, sem escolher nenhum objeto mais lindo, mais significativo.
Amanhã, depois do sol, vou limpar o pó que se acumula sobre tudo aqui e que fala desse meu desleixo que tomou conta de tudo, desde aquele dia que você se foi sem me olhar de frente. Vou aproveitar e jogar fora todas as flores que murcharam abandonadas. Até as flores de plástico murcharam.
Vou aproveitar e lavar aquele monte de louça acumulada, tirar o lixo, preparar alguma comida que estou farta dos biscoitos com leite nas poucas vezes que lembrei de me alimentar. Vou ver o que tem na geladeira, aquele resto de sorvete que ninguém quis, a metade de vinho que ficou.
Amanhã, vou tentar limpar tudo e retirar os escombros, os cacos, os pedaços que você deixou. Vou lhe procurar por todos os cantos, o seu cheiro ainda impregnado em tudo que é meu. Todos os seus sons, gritando nos espaços, seu riso, que encantava, mesmo quando ria de mim, por qualquer motivo. Vai ser preciso procurar bem, porque é certo que meu coração vai escondê-lo, para que não se vá de todo.
Amanhã, após o nascer do sol, farei tudo isso. Só não vou limpar a caixa de mensagens. Ainda não. De vez em quando vou lá rever todo aquilo. Vou reler aquelas frases, uma por uma, ouvir você me chamando de querida outra vez, sentir os milhões de beijos que me deu, todo aquele carinho. Vou sentir o perfume de todas aquelas flores que me mandava a cada manhã e também durante o dia. Vou receber os bons dias e boas noites, como se fossem de agora. E fazer brilhar, só porque eu quero, aquela lua e todas as estrelas daquele desenho que fez pra mim. E todos os poemas e poesias melosas e lindas, de todas as escolas literárias, que compôs pra sua amada. (Era assim que me chamava!) . Vou me ver novamente nas muitas fotos de casais se beijando, e vou receber enternecida aqueles corações entrelaçados mais bregas, mas que eu achava a coisa mais linda, mais fofa, mais declaração. E vou ouvir todas as músicas que me enviou, até a da Ana Carolina, sua preferida, e fazer de conta que você está cantando pra mim. E por mais um momento, mais que um momento, você vai ficar aqui dentro.
Nem amanhã, nem depois de manhã, vou apagar tudo isso. Todas as lembranças ficarão lá. Será minha caixinha de Pândora. Até um dia em que não doer tanto. Até o dia em que puder colocar tudo no lugar das boas e doces lembranças, abrindo espaço para as lembranças novas que, certamente, hão de chegar.
Lécia Freitas


domingo, 26 de junho de 2016

Somos nossas marcas



            Por vezes acreditamos, que diante de determinados sofrimentos ou acontecimentos não suportaríamos a dor e com certeza sucumbiríamos. Isso, às vezes, até acontece com algumas pessoas, mas são casos que requerem uma observação mais profunda. Em diversas situações do dia a dia em que somos devastados por acontecimentos e que pensamos em desistir, com o passar do tempo, ainda que devagar, vamos retornando à vida. Isso porque, geralmente somos atingindos apenas em uma parte do nosso ser. As outras permanecem intactas, e são elas que nos servem de esteio nesses momentos.
            Trazemos em nós as marcas que buscamos ao longo da vida, aquelas que nos fizemos por gostarmos de algo, nossas preferências, nossas escolhas, e nossos bem quereres. Mas trazemos marcas que outros nos trouxeram, que imprimiram em nossa vida. São as marcas dos amigos queridos, dos familiares, colegas de trabalho, enfim pessoas com as quais convivemos e que às vezes, nos trazem um alento meio à tormenta. Essas marcas são os sentimentos que deixamos aflorar,  e que nos define como humanos, e que  nos transporta para o  mundo do outro, mesmo que não percebamos, porque é tão corriqueiro, tão cotidiano, mas é o que nos mantém de pé.
            Somos ensinados ao longo da vida que somos um só, com todas as nossas particularidades. Mas não é bem assim. Somos muitos, múltiplos, e estamos sempre acrescentando, renovando, transformando partes de nós em nós mesmos. Quando somos atingidos em um sentimento, lançamos mão de outros para suportar decepções, frustações, etc. E tem que ser assim, senão o mundo seria mesmo um vale de lágrimas. Porque todos temos problemas e sofremos em algum momento ou em vários.
            É certo que temos amigos, familiares, dispostos a socorrer em momentos de angústia, de baixa autoestima, porém nem sempre podemos recorrer a eles. Todos têm suas ocupações, e tudo é tão longe, e nem sempre queremos falar sobre aquilo. Muitas vezes, a dor que sentimos pede silêncio, pede solidão.É como aquele espinho que fincou tão fundo, que é melhor não mexer, por enquanto. Espera-se, com o tempo, que o próprio organismo o rejeite. Como um corpo estranho. Nesses casos, aos amigos, resta respeitar a atitude, o pedido mudo de compreensão, da necessidade de recolhimento.
            Existem almas que só se encontram ante a si mesmas por maior que seja a oferta de ajuda, precisam ficar sós, mudas. Existem almas que por sua delicadeza recebem os golpes muito mais profundamente. Ferem-se  diante da crueza dos fatos de tal forma, que é preciso um ato de cada vez a lhe juntar os pedaços, minuciosamente, uma parte de cada vez, para que não se lhe falte nada. E depois é preciso, com cuidado embalsamar tudo aquilo com muita serenidade para consolidar cicatrizes, que essas, sim, ficarão para toda vida.
             Felizmente, almas, principalmente aquelas que já foram felizes e que anseiam pela vida, são pródigas.   Aos poucos retornam e aí então, somente aí, elas vão buscar o abraço amigo, a palavra, o riso. E a vida recomeça, com nossas crenças, nossos acertos, nossas esperanças.
E marcas.

Lécia Freitas
Um dia, alguém me deu estas flores! Foi a maior marca que poderia me acontecer. Mudou minha vida!



sexta-feira, 24 de junho de 2016

Se mal houver


            Então vc não vê?! Eu não quero este papel! Eu não quero o papel de vó, comportada entre rendas e croches. Eu não quero falar de chás e achaques, viagens a Canção Nova. Não me fale de doenças e tristezas e problemas. Fale-me de batons vermelhos, de lingerie ousadas, de gemidos abafados e risadas escancaradas. Não é verdade que a alma envelhece. O que envelhece é a vontade de viver.   
            Não me fale de rezas e rosários, de crenças ultrapassadas e em preconceitos mofados. Rezas, somente se forem para achar amores perdidos e para desejar o bem de todos. Fale-me antes de atitudes livres de qualquer peso e condenação. Não me fale de camisolas brancas compridas com laços e botões. Fale-me de nudez e de voos, seja de asa delta no espaço dos céus, ou de imaginação em espaços que interessam só a dois.
            Eu quero madrugadas loucas, com sons de rock a arrebentar os tímpanos e a alma ensandecida até o último acorde. Quero convites para acampar a beira de cachoeira, mesmo com este frio, tomar banho gelado e sentir todos os pelos arrepiando seja do gelo, seja do tesão pelas coisas todas. E depois quentar fogo numa fogueira esperando o sol nascer porque é mágico ver o sol nascer enrolado no mesmo cobertor. E se acontecer uma pneumonia a gente trata depois.
            Diga que estou desorientada só porque de repente eu percebi que a vida está se acabando e eu ainda não encontrei alguém que me diga que eu sou linda, mesmo com essas rugas que já existem e todas as imperfeções, e que sou gostosa mesmo não tendo mais tanta habilidade e facilidades com movimentos perfeitamente susbstituíveis, e que me  beije por dentro em noites de lua cheia e mesmo nas que nem  lua  tem.
            Chama-me de  louca  se mal houver eu querer viajar num  tapete mágico das mil e uma noites do era uma vez e do era nunca, para encontrar aquele amor perdido que eu perdi, ou que nunca tive, porque amei demais e as pessoas não aceitam que  se ame alguém até se desmanchar por elas
            Chama-me de sem juízo nesta idade, se for errado eu querer sair com pouca grana, e me arriscar numa viagem até encontrar alguém que de repente me chamou de querida, e me pegou nos braços, e me amou tão loucamente do jeito que sempre quis e sonhei, e que eu quero viver tudo de novo, para ter certeza que é de verdade, que se pode ser feliz e morrer por isso
            Chama-me de doida se mal houver, eu ficar olhando o cel a todo momento esperando a mensagem e depois beijar o cel como se fosse de verdade, porque é uma emoção de outro  mundo ver a carinha dele pulando e sorrindo para mim, e essa emoção não tem tamanho nem idade, e que aquele barulhinho te acorda a qualquer hora e você não se importa, e pula da cama e fica sorrindo feito boba porque ele visualizou e ainda respondeu.   
            Chama-me novamente de louca se mal houver, nesta vida, eu querer aprender o canto das sereias só para encantar esse alguém que eu quero muito e deixá-lo endoidecido de amor por mim, e ao mesmo tempo sendo mitólogica, menina, ou gigante para tomá-lo no meu colo e fazê-lo dormir.
            Chama-me de doida se mal houver ao invés de santa, e de despedidas,  e de lágrimas truncadas, e muxôxos embolorados e “affs” enfadonhos, eu querer recomeçar com risadas cristalinas e boca vermelha e brilho no decote, sentir tudo aquilo outra vez, e ser indecentemente feliz!


Lécia Freitas

terça-feira, 14 de junho de 2016

Mimos

De uma amiga querida, Ana Angélica, 

 Você é...

Jardim onde os passáros repousam
Flor do agreste
É tudo e nada
Seus ponteiros
São a agonia do tempo
Você é chuva em tarde de sol
É o inesperado
Cogitado na volúpia voz
Que segue sem olhar por onde vai
Que poucas vezes se surpreendeu com a maldade do mundo
Pois faz parte do lado luminoso
Se cortou por devaneios sonhos
Mas que ainda sabe que vale a pena sonhar...



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Amiga quando algo machuca...


As lembranças se forem boas guarde-as
Como tesouro
Se forem amargas
Jogue-as ao leito do rio
Deixe que vá embora
Pois se permanecerem em você poderão ser como erva daninha
Que pode matar o bom que de você pode florescer
Permita-se a ter dentro de você solo fértil
E plante a esperança mais uma vez
Não crie desertos dentro de você
Pois o melhor pode chegar sem avisar
E você vai criar novas memórias
Assim novas lembranças...
Bora florescer? Beijo. Ah tudo passa...





domingo, 12 de junho de 2016

Ah, o amor

Para ti
Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo
Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre
Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida

- Mia Couto, em "Raiz de orvalho e outros poemas". 

sábado, 11 de junho de 2016

Amor

Quero um amor alucinado, depravado, tarado.
Amor inteiro, de corpo-a-corpo, enlaçados.
Amor sem reserva, que a tudo se entrega, lancinante.
Quero você assim, abrasada, pedindo gozo,
Eriçada, ronronando feito gata, tesuda.
Seus seios túmidos, me furando o peito.
Quero você, pentelho contra pentelho, roçantes.
Carne encravada na carne. Bocas coladas,
Babadas, meladas, sangrando sufocadas.
Quero amar você tão bichalmente que urremos.
Eu, penetrando rasgando. Você me comendo furiosa.
Nós dois fundidos, unidos, soldados.
Você e eu, nós dois, sós, neste mundo dos outros.

- Darcy Ribeiro, em “Eros e tanatos”,

terça-feira, 7 de junho de 2016

O verbo...

Quando me derramo é quando exalo os rios da vida
E sigo convicta que a emoção é um de meus riachos
São 16 verdades que sei sobre as coisas 
Qualquer coisa basta 
Para que eu lance a minha iris e foque além
Mostro espelho mágico
Se a verdade lhe falta
O que não se vê é o que se sabe
O que eu sei
Esta guardado no fundo da loca
Não se atreva homem a falar dos meus encantos por aí
Mesmo perdendo as estribeiras quando tu somes
Não se atreva homem a chegar na minha beira sem que eu o chame
Mando soltar nego D'agua atrás de você
Quebranto encantamento quando não pedes pra vir
Faceira tenho minhas faces
Sou mandinga no balaio
Sou pedra de âmbar
Sou água que corta
E escorre livre onde não me acho
Eu sou filho Dela
Eu sou o brilho do seu ouro 


Lipe costa