Lembranças
de Onça de Pitangui
O sentido de Pátria é muito
abrangente. O Brasil, por ser quase um continente, com uma cultura vastíssima, é exemplo disso.
Cada um vai associar o sentido de Pátria àquilo que mais lhe chama a atenção,
que lhe é caro, que lhe emociona. Para mim, Pátria, entre outras coisas, é o
berço, a ancestralidade. Isso me leva,
naturalmente, à minha terra, Onça de Pitangui. Não essa de agora, mas àquela de
minhas lembranças. O ar, o cheiro, a essência são os mesmos, porém tudo está
tão diferente. É certo que muita coisa mudou para melhor, no entanto, quando a
vejo, busco rever o que está dentro de mim. Cada canto, cada detalhe, tão
vivos nas lembranças, e se procuro, para reavivar essas imagens, já não encontro.
Havia um lugar, perto da Igreja Matriz, chamado "Pacheco". Era um pedaço
da rua margeado de moitas de bambus, enormes, densos, onde a vista não
alcançava além, só se via bambu. No alto,
eles se encontravam impedindo a passagem
da luz do sol o que tornava sombrio o lugar . Além disso, numa das extremidades
havia um córrego. Passava ali nos fundos da casa do Senhor Godofredo e Dona
Cecília, parentes meus. No quintal do
Senhor Godofredo tinha um pé de laranja côca, as mais gostosas que já vi. Ele
sempre dava as laranjas, mas era um problema para apanhar porque ele não
deixava, de jeito nenhum, bater com a vara nos galhos. Essa variedade de
laranja tem muitos espinhos e não tinha como
subir no pé, então, era complicado. Depois, o córrego entrava nos
terrenos do Senhor Gumercindo, meu tio-avô, e pai do Geraldo, dono da
Churrascaria Santa Cruz. O barulho da água era lindo mas isso tornava o lugar
frio e úmido. Quando ventava, as folhas
faziam um barulho, sussurrante
que nunca mais ouvi em lugar algum. Para mim, esse era um lugar mágico. Eu não
me aventurava passar por ele, sozinha, qualquer que fosse a hora do dia. E
mesmo com alguém, eu andava olhando para trás morrendo de medo. Era comum, ao
longo do caminho, encontrarmos montes de folhas secas. A vontade de chutar era
irresistível. Quase sempre havia uma pedra escondida debaixo das folhas.
Brincadeiras de algum menino que passara
antes, certamente mais corajoso a ponto de parar para juntar as folhas. Do lado
da Igreja, ao terminar os bambus, começavam as flores. Eram flores simples, não
me lembro do nome. Nasciam sozinhas, em certa época do ano. Ah, eu gostava de
vê-las assim, tantas, tantas, de todas as cores!
Na última vez que eu fui lá havia
apenas uma moita de bambu. Mais nada. Mais nada. A Serra, defronte a Igreja,
ainda existe. Majestosa, porém frágil diante
do Homem que tudo aniquila. Ainda assim, enfrenta, com coragem, o progresso que vai chegando. A
amplidão que, embora tão criança, eu
percebia do adro da Igreja quando
olhava para a serra, ainda existe.
Essa amplidão, que resume Onça de Pitangui, eu posso abrir os braços e alcançá-la,
toda, inteira, tamanho é o meu sentimento, o meu amor.
Lécia Conceição de Freitas
Oi Tia Lécia!!! lindo texto...fiquei tentando imaginar a Onça, a Igreja a Serra e claro a Senhora quando criança, andando no mato, curtindo SUA ONÇA!!!
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