quinta-feira, 3 de abril de 2014

Amor e Sofrimento

      Nessa manhã, indo para o trabalho, notei no banco da frente, uma mãe e seu filho. Fiz menção de inclinar-me para brincar com a criança. Sempre faço isso. Como trabalho em uma creche - e gosto do que faço - todas elas me chamam a atenção. No entanto, retraí-me logo.  Percebi de imediato o olhar vago, inconfundível, de sindrômicos. Ouvi a mãe cantando baixinho para que o filho batesse palmas. Talvez fosse algum tipo de exercício, pois ele não tinha os dedinhos. Desviei o olhar.
             A visão, a proximidade, não me incomodava, mas como seria a reação da mãe se percebesse o meu interesse? Normalmente, toda mãe se inquieta diante de um desconhecido que brinca com seu filho. E deve ser assim. Contudo nesse caso, eu era, absolutamente, solidária a ela.
            Voltei-me para dentro de mim mesma e fui atrás de lembranças nem tão antigas, nem apagadas. Revivi  emoções e sofrimentos tão intensos que parecem ser ter sido ontem. A crueldade das reações das pessoas diante de uma criança assim só perde para o concreto da situação. Os problemas reais que uma mãe enfrenta para que um filho portador de alguma síndrome sobreviva, e bem, são gigantescos. É certo que ela tenta!
            Mas, pobre da mãe que tem um filho não perfeito nesse mundo de seres (im)perfeitos! Como sofre! Por si e por seu filho! Talvez o filho sofra menos. Concentrado na ânsia de viver, de tentar, de conseguir a superação, talvez nem perceba o preconceito. Qualquer avanço, para ele, será mais uma vitória.
            A mãe... sofre. Se “ser mãe”, como disse o poeta, “é sofrer no paraíso”, essa mãe não o terá encontrado. Ela tenta se enganar com as alegrias das pequenas vitórias, e se diz abençoada, para justificar  as lágrimas. A dor de ver o filho ultrajado talvez se compare apenas à Daquela  Mãe de todas as mães. Somente aí, essa mãe encontra um pouco de refúgio. O espinho encravado não sairá tão facilmente. Será preciso muita coragem.
            Muitos se compadecerão. Mas esse sentimento é, quase sempre, doído como uma bofetada. A compaixão, muitas vezes, é inútil e dispensável. Quase sempre, uma ofensa.
            Não acredite no riso dessa mãe. Quase sempre será um embuste.  Afinal é preciso ensinar ao filho que se deve sorrir, às vezes, e caminhar em frente. É  preciso mostrar ao mundo que as mães são corajosas, são fortes e superam qualquer obstáculo. Porém, isso é apenas uma casca. Frágil. Não pode se comparar a uma armadura, porque, a mãe continua a receber os golpes que vão minando sua resistência, e aos poucos a esperança de qualquer coisa se resume ao mais elementar instinto de sobrevivência. Ainda assim ela continua, porque é preciso continuar. E porque Deus considerou que ela fosse capaz de cuidar de um filho Seu. Embora se pergunte sempre “Por que eu?”, resigna-se.  Somente Ele lhe dará forças.

Lécia Conceição de Freitas





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