quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Língua Portuguesa



Este texto, de Raimundo Sousa, eu vi no site Língua Portuguesa, numa discussão no Facebook sobre o preconceito linguístico. Decidi colocar aqui porque penso da mesma forma 

Quando ingressei na escola, descobri que a linguagem que eu falava era errada, assim como a dos meus pais, dos meus avós, dos meus vizinhos, da minha comunidade toda, já que eu morava na periferia. Como a linguagem é uma expressão da cultura, descobri também que a cultura que eu trazia comigo ao entrar para a escola não tinha validade, que as expressões linguísticas aprendidas ao colo de minha avó eram erradas. Assim, eu me sentia um zero cultural, e me envergonhava do modo como os membros da minha comunidade falavam. Por ser destituído de cultura e de linguagem, eu teria de reaprender a falar e me esforçar para não me contaminar pela linguagem que meus pais, meus avós e os restante de minha comunidade utilizavam. Para o alunos advindos de bairros "nobres", esse processo era bem menos complexo, pois a linguagem que utilizavam estava mais próxima do ideal. Filhos de professores, advogados, médicos, esses estudantes tinham, desde tenra idade, contato com a língua padrão. Isso provocava uma cisão entre os que sabiam e os que não sabiam português, e essa clivagem se somava à estratificação social, cultural e étnica que marcava (e marca) o espaço heterogêneo da escola. Curiosamente, quando ingressei no curso de Letras, aprendi, diferentemente, que a linguagem herdada de minha comunidade não era errada, mas uma variação linguística pela qual aquele grupo se comunicava e se entendia. Aprendi que cada contexto requer uma linguagem específica, que em determinados gêneros textuais e interações sociais a norma culta é obrigatória, mas em outros soa pedante e mesmo inapropriada. A linguagem seria como um guarda-roupa, no qual cada peça é apropriada para cada situação de uso. Inicialmente, fiquei indignado porque a linguagem que eu aprendi a desprezar tinha sua validade, mas depois aprendi a lição e não senti mais vergonha de meus pais. Em um país de experiência colonial, tradição patriarcal, cultura coronelista, herança ditatorial e estratificação de gênero, classe e etnia, a língua é um instrumento de poder que auxilia fortemente as práticas de segregação. É preciso relativizar a ideia de certo e errado no tocante ao uso da língua; afinal, se formos radicalizar e buscar nas origens a forma mais correta da língua portuguesa chegaremos à conclusão de que somente os portugueses a sabem e teríamos de ser recolonizados para aprendermos corretamente a língua de Camões.
 Aqui.

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