Então vc não
vê?! Eu não quero este papel! Eu não quero o papel de vó, comportada entre
rendas e croches. Eu não quero falar de chás e achaques, viagens a Canção Nova.
Não me fale de doenças e tristezas e problemas. Fale-me de batons vermelhos, de
lingerie ousadas, de gemidos abafados e risadas escancaradas. Não é verdade que
a alma envelhece. O que envelhece é a vontade de viver.
Não me fale
de rezas e rosários, de crenças ultrapassadas e em preconceitos mofados. Rezas, somente se forem para achar amores perdidos e para desejar o bem de todos.
Fale-me antes de atitudes livres de qualquer peso e condenação. Não me fale de
camisolas brancas compridas com laços e botões. Fale-me de nudez e de voos,
seja de asa delta no espaço dos céus, ou de imaginação em espaços que
interessam só a dois.
Eu quero
madrugadas loucas, com sons de rock a arrebentar os tímpanos e a alma
ensandecida até o último acorde. Quero convites para acampar a beira de
cachoeira, mesmo com este frio, tomar banho gelado e sentir todos os pelos
arrepiando seja do gelo, seja do tesão pelas coisas todas. E depois quentar
fogo numa fogueira esperando o sol nascer porque é mágico ver o sol nascer enrolado
no mesmo cobertor. E se acontecer uma pneumonia a gente trata depois.
Diga que
estou desorientada só porque de repente eu percebi que a vida está se acabando
e eu ainda não encontrei alguém que me diga que eu sou linda, mesmo com essas
rugas que já existem e todas as imperfeções, e que sou gostosa mesmo não tendo
mais tanta habilidade e facilidades com movimentos perfeitamente susbstituíveis,
e que me beije por dentro em noites de lua
cheia e mesmo nas que nem lua tem.
Chama-me de louca se
mal houver eu querer viajar num tapete
mágico das mil e uma noites do era uma vez e do era nunca, para encontrar
aquele amor perdido que eu perdi, ou que nunca tive, porque amei demais e as
pessoas não aceitam que se ame alguém até
se desmanchar por elas
Chama-me de
sem juízo nesta idade, se for errado eu querer sair com pouca grana, e me
arriscar numa viagem até encontrar alguém que de repente me chamou de querida,
e me pegou nos braços, e me amou tão loucamente do jeito que sempre quis e
sonhei, e que eu quero viver tudo de novo, para ter certeza que é de verdade, que
se pode ser feliz e morrer por isso
Chama-me de doida se mal houver, eu
ficar olhando o cel a todo momento esperando a mensagem e depois beijar o cel
como se fosse de verdade, porque é uma emoção de outro mundo ver a carinha dele pulando e sorrindo
para mim, e essa emoção não tem tamanho nem idade, e que aquele barulhinho te
acorda a qualquer hora e você não se importa, e pula da cama e fica sorrindo
feito boba porque ele visualizou e ainda respondeu.
Chama-me novamente de louca
se mal houver, nesta vida, eu querer aprender o canto das sereias só para
encantar esse alguém que eu quero muito e deixá-lo endoidecido de amor por mim,
e ao mesmo tempo sendo mitólogica, menina, ou gigante para tomá-lo no meu colo
e fazê-lo dormir.
Chama-me de doida se mal houver ao invés
de santa, e de despedidas, e de lágrimas
truncadas, e muxôxos embolorados e “affs” enfadonhos, eu querer recomeçar com
risadas cristalinas e boca vermelha e brilho no decote, sentir tudo aquilo
outra vez, e ser indecentemente feliz!
Lécia
Freitas
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