sexta-feira, 24 de junho de 2016

Se mal houver


            Então vc não vê?! Eu não quero este papel! Eu não quero o papel de vó, comportada entre rendas e croches. Eu não quero falar de chás e achaques, viagens a Canção Nova. Não me fale de doenças e tristezas e problemas. Fale-me de batons vermelhos, de lingerie ousadas, de gemidos abafados e risadas escancaradas. Não é verdade que a alma envelhece. O que envelhece é a vontade de viver.   
            Não me fale de rezas e rosários, de crenças ultrapassadas e em preconceitos mofados. Rezas, somente se forem para achar amores perdidos e para desejar o bem de todos. Fale-me antes de atitudes livres de qualquer peso e condenação. Não me fale de camisolas brancas compridas com laços e botões. Fale-me de nudez e de voos, seja de asa delta no espaço dos céus, ou de imaginação em espaços que interessam só a dois.
            Eu quero madrugadas loucas, com sons de rock a arrebentar os tímpanos e a alma ensandecida até o último acorde. Quero convites para acampar a beira de cachoeira, mesmo com este frio, tomar banho gelado e sentir todos os pelos arrepiando seja do gelo, seja do tesão pelas coisas todas. E depois quentar fogo numa fogueira esperando o sol nascer porque é mágico ver o sol nascer enrolado no mesmo cobertor. E se acontecer uma pneumonia a gente trata depois.
            Diga que estou desorientada só porque de repente eu percebi que a vida está se acabando e eu ainda não encontrei alguém que me diga que eu sou linda, mesmo com essas rugas que já existem e todas as imperfeções, e que sou gostosa mesmo não tendo mais tanta habilidade e facilidades com movimentos perfeitamente susbstituíveis, e que me  beije por dentro em noites de lua cheia e mesmo nas que nem  lua  tem.
            Chama-me de  louca  se mal houver eu querer viajar num  tapete mágico das mil e uma noites do era uma vez e do era nunca, para encontrar aquele amor perdido que eu perdi, ou que nunca tive, porque amei demais e as pessoas não aceitam que  se ame alguém até se desmanchar por elas
            Chama-me de sem juízo nesta idade, se for errado eu querer sair com pouca grana, e me arriscar numa viagem até encontrar alguém que de repente me chamou de querida, e me pegou nos braços, e me amou tão loucamente do jeito que sempre quis e sonhei, e que eu quero viver tudo de novo, para ter certeza que é de verdade, que se pode ser feliz e morrer por isso
            Chama-me de doida se mal houver, eu ficar olhando o cel a todo momento esperando a mensagem e depois beijar o cel como se fosse de verdade, porque é uma emoção de outro  mundo ver a carinha dele pulando e sorrindo para mim, e essa emoção não tem tamanho nem idade, e que aquele barulhinho te acorda a qualquer hora e você não se importa, e pula da cama e fica sorrindo feito boba porque ele visualizou e ainda respondeu.   
            Chama-me novamente de louca se mal houver, nesta vida, eu querer aprender o canto das sereias só para encantar esse alguém que eu quero muito e deixá-lo endoidecido de amor por mim, e ao mesmo tempo sendo mitólogica, menina, ou gigante para tomá-lo no meu colo e fazê-lo dormir.
            Chama-me de doida se mal houver ao invés de santa, e de despedidas,  e de lágrimas truncadas, e muxôxos embolorados e “affs” enfadonhos, eu querer recomeçar com risadas cristalinas e boca vermelha e brilho no decote, sentir tudo aquilo outra vez, e ser indecentemente feliz!


Lécia Freitas

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