quarta-feira, 31 de agosto de 2016

NÃO HÁ VENTO




          Uma amiga, ao ler um texto meu e percebendo o não dito, traz-me um alento pedindo aquele texto que irá falar de que está tudo bem. Delicadamente ela  me deseja melhoras. Esse carinho é muito importante, agradeço! Mas não há o que ser feito. As gavetas serão esvaziadas, uma a uma. Mas não será como uma faxina, uma expurgação. É que nem aqueles pedaços importam mais. O que antes eram motivos de tantos sentimentos diminuíram de importância e se anularam.  Já não me atingem. Talvez se eu ainda os tivessem, os problemas, eu conseguisse me manter de pé. O que restou foi um enorme vazio, um simulacro de vida. Um espectro.
          Eu vejo pessoas ao meu lado, sorrindo, vivendo, e fico me peguntando qual o sentido. O sentido da vida. Mas não há um sentido. Cada um confere o sentido de acordo com sua conveniências, suas convicções, suas necessidades. E por isso não adianta ninguém dizer: procure um sentido. É preciso, antes, ter tudo aquilo que falei, somente então o sentido surge. A razão da vida, a felicidade. E não adianta você se cercar de pessoas que lhe querem bem, não adianta amigos estarem ao redor apoiando e tudo mais. Essas coisas estão lá dentro, nada, nem ninguém alcança.
            Hoje, eu escuto risadas de crianças e procuro dentro de mim a ternura que sentia antes. Acho bom que sorriam, mas não me alegram mais. Todas as coisas continuam do mesmo jeito. Eu as vejo, eu as percebo, mesmo as mais sutis. Coisas que antes me enterneciam, mas agora não me atingem mais. Talvez porque eu fosse mais superficial. Hoje, minha alma se adentrou mais profundamente. Não lhe alcança nenhum estímulo, nenhum sentimento. Ela está letárgica, imune, anestesiada a qualquer toque. Humano ou não.
            Minha amiga, os passarinhos não se foram! Eu os escuto. Eles ainda não se foram! Consigo atentar ao seu canto nas minhas madrugadas insones, inúteis. Mas não me comovem mais. A barulheira das maritacas que percebo maior, neste ano, nem me ferem os ouvidos. Mas estou preferindo o silêncio. Como uma bruma, que vai se espessando a medida que te engole.
            Minha querida, os meus passarinhos (eu os tinha, todos!) eram o símbolo de tudo que eu amava nesta vida. E agora já não me importa mais. Já não amo, meu coração está velho e cansado. Murchou, secou, como minhas plantas e tudo ao meu redor. Os matinhos da beira foram arrancados, as salas coloridas fecharam as portas.  A alma que antes andava ao redor das coisas todas e sambava, seja ao som de atabaques ou mesmo de violinos, quedou-se. Está aniquilada! Até o vento parou de soprar. E se não há vento o canto silencia-se.

Lécia Freitas





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