Se encontrar um batom vermelho em uma boca já enrugada, não julgue. Se encontrar um riso em um coração já murcho pelo tempo e uma transparência fora de época, não caçoe. Se encontrar uma mulher vestida espalhafatosamente não ria: você não sabe que sonho ela deseja encantar. Você não sabe aonde ficou a alegria escondida. Porque para algumas pessoas a vida só acontece no fim, fora do tempo e do lugar. E se alguém lhe parece fora dos seus padrões, ainda assim, não aponte o dedo. Porque se seu julgamento for injusto, impiedoso, cruel, e a pessoa não suportar e cometer um desatino o culpado será você.
E por que digo isso, coisa tão sem propósito, dirão alguns. Porque pode acontecer “affs” embolorados diante de uma alegria que se avizinha. Porque a juventude pode acontecer em coração outrora já sem ritmo, sem batuque. A mocidade pode acontecer onde não mais seda, nem brilho, nem curvas.
Houve um tempo que eu deixei de ser mulher e renegava toda a doçura. Ser mulher naquele momento era admitir uma incapacidade, um desamor sem tamanho. Era reconhecer a vergonha pelo abandono e a dor que ele causa. A rejeição, ainda que de alguém menor. Era mostrar ao mundo a imparidade em todas as situações da vida e a solidão mais amarga, principalmente nas madrugadas. Seja aquelas chuvosas com o vento batendo na janela, seja aquelas que a lua invadia o espaço enorme, que de grande não tinha nada. Tão somente em meu coração, e no lado de um mísero catre. E assim, aboli qualquer renda, todos os babados, os cheiros que sempre gostei e aquele batom vermelho. Privei-me de carinhos, mesmo o solitário.O riso truncou-se, arrepios somente do frio do inverno que eu teimava em não sentir para esquecer que tinha pele. Os cabelos sempre puxados pra trás, amarrados evitando qualquer resquício de feminilidade. Eu negava ser mulher e assim por recusar uma condição deixei também de ser uma pessoa. Por anos, deixei de existir.
Coração humano, porém, é campo fértil. E a poesia que escondi, que neguei, sempre aflorava por motivos os mais absurdos, os mais despropositados possíveis. Surgia, tomava conta, falava de um mundo que eu conhecia muito bem, que existia atrás da minha retina, dentro da mente, em volta da minha alma. A idealização de um amor desejado vai além de carinhos furtivos ou escancarados, concebidos ou não em vivência partilhada, demorada, ou tão ligeiro debaixo da escada, atrás do portão, onde for. Seja no concreto, real, ou imaginado. O amor querido sobrevive com a loucura do desejo de uma mensagem azul, um cheiro que vem no vento, com palavras doces vistas, não ouvidas. Com os sons tão maviosos oferecidos em ondas pelo espaço, com os beijos nunca sentidos de fato, e com os abraços percebidos apenas no tanto enorme entre dois braços que se erguem no vácuo.
Mas é preciso viver o real, antes que ele se acabe. É preciso acabar com a tristeza, com a solidão. É preciso ter coragem, sentir a vida em alguém de verdade que o tempo se aproxima velozmente. O tempo tem pressa. Mas quando? Onde me achar?
Encontro em um amor o que nunca fui. O que nunca tive. Tenho que aprender agora a dualidade do tempo. O que sou agora, e o que resgato em mim para viver esse tempo. É hora de ser feliz!
Lécia Freitas
E por que digo isso, coisa tão sem propósito, dirão alguns. Porque pode acontecer “affs” embolorados diante de uma alegria que se avizinha. Porque a juventude pode acontecer em coração outrora já sem ritmo, sem batuque. A mocidade pode acontecer onde não mais seda, nem brilho, nem curvas.
Houve um tempo que eu deixei de ser mulher e renegava toda a doçura. Ser mulher naquele momento era admitir uma incapacidade, um desamor sem tamanho. Era reconhecer a vergonha pelo abandono e a dor que ele causa. A rejeição, ainda que de alguém menor. Era mostrar ao mundo a imparidade em todas as situações da vida e a solidão mais amarga, principalmente nas madrugadas. Seja aquelas chuvosas com o vento batendo na janela, seja aquelas que a lua invadia o espaço enorme, que de grande não tinha nada. Tão somente em meu coração, e no lado de um mísero catre. E assim, aboli qualquer renda, todos os babados, os cheiros que sempre gostei e aquele batom vermelho. Privei-me de carinhos, mesmo o solitário.O riso truncou-se, arrepios somente do frio do inverno que eu teimava em não sentir para esquecer que tinha pele. Os cabelos sempre puxados pra trás, amarrados evitando qualquer resquício de feminilidade. Eu negava ser mulher e assim por recusar uma condição deixei também de ser uma pessoa. Por anos, deixei de existir.
Coração humano, porém, é campo fértil. E a poesia que escondi, que neguei, sempre aflorava por motivos os mais absurdos, os mais despropositados possíveis. Surgia, tomava conta, falava de um mundo que eu conhecia muito bem, que existia atrás da minha retina, dentro da mente, em volta da minha alma. A idealização de um amor desejado vai além de carinhos furtivos ou escancarados, concebidos ou não em vivência partilhada, demorada, ou tão ligeiro debaixo da escada, atrás do portão, onde for. Seja no concreto, real, ou imaginado. O amor querido sobrevive com a loucura do desejo de uma mensagem azul, um cheiro que vem no vento, com palavras doces vistas, não ouvidas. Com os sons tão maviosos oferecidos em ondas pelo espaço, com os beijos nunca sentidos de fato, e com os abraços percebidos apenas no tanto enorme entre dois braços que se erguem no vácuo.
Mas é preciso viver o real, antes que ele se acabe. É preciso acabar com a tristeza, com a solidão. É preciso ter coragem, sentir a vida em alguém de verdade que o tempo se aproxima velozmente. O tempo tem pressa. Mas quando? Onde me achar?
Encontro em um amor o que nunca fui. O que nunca tive. Tenho que aprender agora a dualidade do tempo. O que sou agora, e o que resgato em mim para viver esse tempo. É hora de ser feliz!
Lécia Freitas
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