sábado, 29 de março de 2014

Bem que diziam


      Outro dia falei que ainda restam periquitos. É verdade! Mas, desses, de hoje, devem restar muito  mais, pois,  sempre os vejo, e ouço, por aí. O que é uma alegria,  nesses tempos cada vez mais loucos e empedernidos. E havia um, em alguma árvore, do Campo Santo. Indiferente à dor de quem estava ali, velando algum ente querido, cantava!
       Creio que ninguém sabia o que ele tinha visto. Na verdade, não pareciam interessados. Cada um cuidava de sua vida, os passantes, os moradores. Não queriam saber da vida alheia. Mas ele trinava alegremente! Talvez quisesse chamar a amada ou algum companheiro. Ou, simplesmente, cantar a manhã. O fato é que ele cantava e bem dizia.
     O pequeno cantor mudava de pouso e, assim, durante todo o tempo que levei para atravessar o quarteirão conseguia ouvir.   Acontecimento tão inusitado, no entanto, passava despercebido. Não se sabe por quê. Talvez essa proximidade cotidiana  tenha transformado o insólito  em algo banal e por isso não chamava a atenção. Hoje em dia, nem as crianças os caçam mais. Antigamente, havia alçapões, visgos, gaiolas, estilingues... Artefatos completamente desconhecidos pelos meninos, na atualidade.  Andam tão atarefadas com as novas tecnologias que desconhecem esse “prazer” dos ancestrais. Ainda bem, que para alguma coisa serve esse progresso!
        Descendo a rua, o trinado misturou-se ao barulho proveniente dos automóveis. Ainda que tentasse não consegui mais distinguir. Permaneceu lá, ao longe... Mas o certo é que me tocou. Não posso dizer que me alegra. Fica sempre uma tristezazinha, uma saudade de algo que não tive, de alguma coisa que não vivi.
      O que conforta é a certeza de que o encontrarei novamente. Esse ou aquele, vou, sempre, buscar  seu canto. E maravilhar-me!...

                                                                                                                Lécia Conceição de Freitas


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