sexta-feira, 1 de setembro de 2017

AS VIAGENS



 Naquele tempo de miséria absoluta,em que tudo era tão difícil, e que eu só contava comigo mesma, no fundo eu sabia que precisa de ter alguma coisa. Mas não havia nada. Então, muitas vezes, eu me  refugiava em sonhos. Eram sonhos bobos, simples, com coisas que eu teria. E nem sempre eram coisas materiais. E eu não sonhava assim, de uma hora para outra, em meio a conversas ou situações. Eu pensava em algo, mas guardava aquilo para um momento em que pudesse me dedicar inteiramente ao pensamento. 
Raros momentos, que eu ficava sozinha sem desabar de cansada. E então eu revestia meu sonho com as cores mais lindas que eu tinha. Eram sonhos azuis, dourados... Com as figuras, que todo sonho querido deve ter: pessoas que eu amava, que eu gostaria de amar.  Eu viajava de um sonho a outro, vivendo as mesmas sensações que todos têm no real e que não me eram permitidas. Eu roubava da realidade, o que me era negado, absolutamente, de todas as formas. Eu conheci lugares, culturas, pessoas. Comi e bebi alimentos que nem sei se existem de verdade. Voei, muitas vezes, andei em barcos e em carruagens enfeitadas de flores, ou em carroças carregadas de grãos que eu plantei. Não fui rainha, nem princesa, mas tive fada madrinha. Como bruxa, cozinhava poções capazes de transformar qualquer realidade. Não fiz passeios intergaláticos, nem visitei a Idade Média ou qualquer outra. Mas fugi de dinossauros que destruíam o mundo horroroso que me esperava a cada fim de sonho. Morei em Onça de Pitangui, minha terra querida! Cavalguei em pelo, na praia do Planeta dos Macacos. Fui a shows do Pink Floyd, do Alceu Valença, da Elis Regina e do Roberto Carlos. Conheci gregos e troianos. E amei e fui amada com aquele amor que  todos sonhamos. Fui desejada, fui querida, e fui feliz, muitas vezes.
Isso tudo eu vivi, como se fora verdade, senti todas as emoções, consciente que era sonho. E principalmente, por ser sonho voltava a eles sempre que possível, e necessário, fosse o mesmo sonho, do ponto onde tinha parado, ou outro sonho. Inventava na hora ou deixava meu coração me levar. E foi assim que não endoideci. Foi assim que me mantive lúcida. Foi assim que sobrevivi.

Lécia Freitas



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