O Nhambu passa piando, tristemente.
Maria ouve e por um momento para o que está fazendo. Apura o ouvido e associa o
som ao tempo: a tarde finda e os bichos voltam ao ninho. Ela se dirige para a
porta, olha o mundo, percebendo tudo, o próprio desalento e a incompletude. A
tristeza vem em borbotões e ela se queda, sentada no degrauzinho, como tantas
vezes fizera. Permanece ali, porém não espera mais. Sente-se coisa entre
coisas, murchando, secando. Tudo ao seu redor, parece sentir também a falta do
dono. O capim ainda viceja, mas já se percebe a secadura. O que Maria faz,
apenas para sobreviver. Damastor era a razão, de tudo. Os braços dele, sua
casa, seu abrigo.
Neste fim de outono, a luz amarela
crucifica o tempo. O frio que se anuncia não lhe dá alívio. O corpo sente o
estado de coisas, sente a hora como a da chegada e se manifesta em saudade,
enorme! Seu corpo queima, lateja como em febre. E finalmente vencido já não
exige. Antes, clama, suplica! Prende entre as pernas o pano do vestido que está
usando. Entre a pele e o algodão, o amor. Onde andará Damastor? Por que não vem
buscá-la? Por que não vem tamborilar em sua vontade fazendo dela uma semeadura
de um canteiro de flores? Ela espicha o olhar querendo ver além da curva. Busca
ver além. Além até do entendimento.
O vento no bambuzal lhe traz o shshshsh das folhas numa dança orquestrada. Vai ter chuva de madrugada. As dádivas da natureza, ela as recebe, mas não se encanta mais. Não tem mais pra quem dançar debaixo dos primeiros pingos. No céu que escurece, Maria divisa algumas estrelas. Sabe que são suas. Damastor lhe deu de presente numa noite, em que o céu espiava o amor que acontecia, grosso, quente, lá na beira d’água. Ele dizia que tudo na natureza falava do seu amor e que por isso era dela.
O vento no bambuzal lhe traz o shshshsh das folhas numa dança orquestrada. Vai ter chuva de madrugada. As dádivas da natureza, ela as recebe, mas não se encanta mais. Não tem mais pra quem dançar debaixo dos primeiros pingos. No céu que escurece, Maria divisa algumas estrelas. Sabe que são suas. Damastor lhe deu de presente numa noite, em que o céu espiava o amor que acontecia, grosso, quente, lá na beira d’água. Ele dizia que tudo na natureza falava do seu amor e que por isso era dela.
Entre eles era assim! Tinha
suavidade, tinha ternura, mas na maior par das vezes, a vontade, a fome pelo
outro vinha como uma enchente avassaladora derrubando tudo, tomando conta de
tudo. Maria recebia o corpo de Damastor como um bem, um agrado da vida,
disposta a permitir a posse, a dominação. Mas, na verdade, quem dominava era
ela. Porque, no seu colo, Damastor voltava a ser menino. Frágil, dentro da
enormidade daquele sentimento. E no seu amor, imenso, ela se agigantava.
Fazia-lhe todas as vontades. E enquanto lhe lambia o corpo, reavivava as almas.
Dos dois! O que fazia, era para o prazer dos dois. As mãos de seu homem, fortes
calosas, de repente, vestia luvas de seda, finissimas, só para fazer desenhos
de amor em sua pele. À luz da lua, do sol ou na escuridão, o que fosse.
A poder da saudade, Maria ainda
encomprida o olhar através das coisas, do mundo, tentanto buscar o seu
amado.Tentando com sua vontade dar vida e forma ao que lhe vai por dentro, ao
seu grito de desejo. Onde andará Damastor? Por que não ouve seu chamado?
Faz tempo Maria não chora mais com
os olhos. Faz tempo não enxerga mais as coisas. O cinza que cobriu tudo em si,
aos poucos toma conta do mundo. Desde então ela não vive, existe. Ela não se
toca mais, não se sente mais. A vida que antes era uma festa, pelos olhos de
Damastor, aos poucos tornou-se um fardo. Agora nem isso. Apenas essa falta,
nebulosa, que se esgueira em todos os cantos, tomando conta dos espaços,
sufocando-a, tirando-lhe tudo. Até a própria solidão.
Lécia Freitas
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