Damastor
vem pela estrada sozinho com seus pensamentos. Pensa na mulher. Aflito para
chegar. Sabe que ela o espera. O amor dos dois é uma coisa de doido. Tanto que
ele nem quer ter filhos por agora. Quer a mulher só para si. Gosta de carregá-la
no colo em noites quentes para tomarem
banho no poço. Ele lembra com desejo da mulher, nua, à luz da lua, com os
dentes brilhando na escuridão. Quase ouve sua risada, enquanto lembra.
Ele
a conheceu na festa da quermesse no povoado e foi a sua risada que mais lhe
chamou a atenção. Não, não foi a risada, foi o olhar dela, ele decide. Nas
brincadeiras da quermesse ele manda um recado pelo Correio Elegante. Ela pergunta:
- quem é? e quando se vira e o olha de frente ele vê o sol nos olhos dela. Um
sol que a ilumina toda e que vai aquecê-lo pela vida afora. Ele respondeu se
derretendo por dentro. Sente uma força que o arrasta como a de um caveirão lá
da mata. -Eu sou Damastor! Ouve ela repetir seu nome docemente como nunca
ouvira ninguém dizer. E vai ouvir sempre, agora, porque ela o faz pelo prazer
de dizer o nome amado, de ouvir o próprio som do nome amado. Nunca mais se
separaram. Estão irremediavelmente grudados para todo o sempre.
Damastor
sorri quando lembra da primeira vez. Sente o corpo crescer com as lembranças, mas
se envereda cada vez mais. Tão bom lembrar! Não sente o cansaço, a poeira do caminho, o
sol quente que lhe queima. As lembranças vão chegando e ele separa as mais
caras. Sente as mãos de Maria lhe pegando, passeando em seu corpo tão doces
quanto impacientes. Sente a pele, morna, macia, com cheiro de araçá em flor. Ela
toda é um cheiro. De todas as coisas. As coisas do mundo. E a boca tão fresca
como manjericão... Damastor se perde novamente nos cheiros de Maria. E se
entrega às lembranças como se entregou aquele dia e como acontece todas as
vezes. Desde então não são mais dois, e sim apenas um. O amor deles está misturado
em ambos, e às coisas da terra, do mato. Eles se sentem parte de tudo mesmo sem
entenderem direito. E a felicidade é tão palpável, tão concreta e eles nem se dão conta. Só eles e o mundo.
Pensa nas muitas vezes em que ela o esperara
na rede. Quando chega muito tarde ele a encontra dormindo. Sente o perfume da
casa, tão cuidadosa, ela.
A comida deve estar lá, em cima do fogão, mas
ele nem pensa nisso. Vai direto na rede e se encanta ao ver aquele rosto sereno
num meio sorriso, talvez que esteja sonhando com ele. Ele se rende à morenice
daquelas coxas e leva a mão o mais suave que pode. Tenta não acordá-la, mas ela
sente a respiração ofegante dele. E o corpo todo se abre como a flor do
maracujá em dias de chuva.
Damastor
sente-se bem com esses pensamentos. E agora do alto ele divisa sua casinha lá
em baixo. Os grilos prenunciam o fim da tarde. Ele quase corre, doido para chegar.
De longe ouve o som dela. Está na bica cantarolando. Ali, naquele chão não há
muito barulho, só os da terra. E ele quer ouvir. Apura! Entremeado com os
sons todos ele distingue a voz dela chorosa em canção de amor. Sente que ela o
chama. É o chamado mais ardente que alguém pode ter. O chamado do seu amor! Ele
se aproxima e a vê ali, entre suas coisas, a sua mulher dona de seu amor e de sua
vida. Com o vestido de flores arregaçado mostrando as coxas que ele vai
acarinhar. Com aquele corpo todo, quente, que ele sabe que lhe espera. Ele a
chama com os olhos, com a boca primeiro
e depois com o corpo todo. Ela se vira como da primeira vez, já sabendo, agora,
que é o seu homem que chega e se entrega àqueles braços, àquele abrigo. Até o
oco do seu ser.
Lécia Freitas
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