quarta-feira, 23 de novembro de 2016

COMO A FLOR DO MARACUJÁ


           
            Damastor vem pela estrada sozinho com seus pensamentos. Pensa na mulher. Aflito para chegar. Sabe que ela o espera. O amor dos dois é uma coisa de doido. Tanto que ele nem quer ter filhos por agora. Quer a mulher só para si. Gosta de carregá-la no colo em noites quentes  para tomarem banho no poço. Ele lembra com desejo da mulher, nua, à luz da lua, com os dentes brilhando na escuridão. Quase ouve sua risada, enquanto lembra.
            Ele a conheceu na festa da quermesse no povoado e foi a sua risada que mais lhe chamou a atenção. Não, não foi a risada, foi o olhar dela, ele decide. Nas brincadeiras da quermesse ele manda um recado pelo Correio Elegante. Ela pergunta: - quem é? e quando se vira e o olha de frente ele vê o sol nos olhos dela. Um sol que a ilumina toda e que vai aquecê-lo pela vida afora. Ele respondeu se derretendo por dentro. Sente uma força que o arrasta como a de um caveirão lá da mata. -Eu sou Damastor! Ouve ela repetir seu nome docemente como nunca ouvira ninguém dizer. E vai ouvir sempre, agora, porque ela o faz pelo prazer de dizer o nome amado, de ouvir o próprio som do nome amado. Nunca mais se separaram. Estão irremediavelmente grudados para todo o sempre.
            Damastor sorri quando lembra da primeira vez. Sente o corpo crescer com as lembranças, mas se envereda cada vez mais. Tão bom lembrar!  Não sente o cansaço, a poeira do caminho, o sol quente que lhe queima. As lembranças vão chegando e ele separa as mais caras. Sente as mãos de Maria lhe pegando, passeando em seu corpo tão doces quanto impacientes. Sente a pele, morna, macia, com cheiro de araçá em flor. Ela toda é um cheiro. De todas as coisas. As coisas do mundo. E a boca tão fresca como manjericão... Damastor se perde novamente nos cheiros de Maria. E se entrega às lembranças como se entregou aquele dia e como acontece todas as vezes. Desde então não são mais dois, e sim apenas um. O amor deles está misturado em ambos, e às coisas da terra, do mato. Eles se sentem parte de tudo mesmo sem entenderem direito. E a felicidade é tão palpável, tão concreta e eles  nem se dão conta. Só eles e o mundo.
             Pensa nas muitas vezes em que ela o esperara na rede. Quando chega muito tarde ele a encontra dormindo. Sente o perfume da casa, tão cuidadosa, ela.
A comida deve estar lá, em cima do fogão, mas ele nem pensa nisso. Vai direto na rede e se encanta ao ver aquele rosto sereno num meio sorriso, talvez que esteja sonhando com ele. Ele se rende à morenice daquelas coxas e leva a mão o mais suave que pode. Tenta não acordá-la, mas ela sente a respiração ofegante dele. E o corpo todo se abre como a flor do maracujá em dias de chuva.
            Damastor sente-se bem com esses pensamentos. E agora do alto ele divisa sua casinha lá em baixo. Os grilos prenunciam o fim da tarde. Ele quase corre, doido para chegar. De longe ouve o som dela. Está na bica cantarolando. Ali, naquele chão não há muito barulho, só os da terra. E ele quer ouvir. Apura! Entremeado com os sons todos ele distingue a voz dela chorosa em canção de amor. Sente que ela o chama. É o chamado mais ardente que alguém pode ter. O chamado do seu amor! Ele se aproxima e a vê ali, entre suas coisas, a sua mulher dona de seu amor e de sua vida. Com o vestido de flores arregaçado mostrando as coxas que ele vai acarinhar. Com aquele corpo todo, quente, que ele sabe que lhe espera. Ele a chama  com os olhos, com a boca primeiro e depois com o corpo todo. Ela se vira como da primeira vez, já sabendo, agora, que é o seu homem que chega e se entrega àqueles braços, àquele abrigo. Até o oco do seu ser.


Lécia Freitas


Nenhum comentário:

Postar um comentário