Ali, naquele lugar do mundo, não há muito o que
fazer. Poderia ter, mas o que importa? O tempo se arrasta numa enfiada de
horas, de dias, de tempo. Maria olha as coisas ao seu redor. Como tudo ficou
imenso, meu Deus! Onde está o que preenchia tudo isso? Ela sai andando como se
quisesse com isso apagar das lembranças o que não tem recurso. Porque elas vão
junto, onde quer que vá. Acompanham e cravam os espinhos, cada vez mais.
Ela busca os rastos do seu Damastor em tudo que vê, nas coisas todas da vida. Os matinhos da beira do caminho ainda são os mesmos. Ela evita pisá-los, porque os ama, e porque lembra do que ele dizia: mato também tem direito de viver.
Não se pode dizer que há silêncio ali: a natureza toda grita. Ela ouve, misturada a tudo, a voz dele cochichando em seu ouvido tentando, instigando. Mais que a vontade, sente a presença dele em todas as coisas.
As flores! Que ele lhe ofertava! Não apanhava, deixava-as no pé, mas dizia que todas eram dela. Um presente, um mimo do seu homem, todas as vezes que andavam pelos matos. Tinham esse mania, nos fins de tarde como agora.
No pé de manga não há frutos, não é época ainda. Mas os moradores estão lá, celebrando. Sozinha, ela ouve todos os sons, numa saudade infinita e sente os cheiros, mesmo quando não há. Aperta o passo sem ter por que, como fugindo da tristeza, até alcançar a divisa da cerca. Lá embaixo está o corguinho. Ainda longe, Maria ouve o barulho da água entre as pedras, os grilos que chamam a noitinha. Revê nitidamente tudo que sempre via. Até os insetos em sua profusão, voando em todas as direções. Brilhando as asas com o sol que rebrilha, lembrando que a vida pode ser bela. Ficavam os dois ali, nuinhos brincando, brincando... Ela não ouve a risada dele. Ele quase nunca ria. Mas ouve, como em um sonho, a dela: clara, cristalina, aberta. Meu Deus, como era feliz!
Caminha na água rasa tentando um refrigério. Sente os respingos no corpo quente, latente, que clama... molha a nuca, o rosto, tentando fingir que é o sol ainda quente. Assim, engana o próprio coração. Ela sente o vento despenteando seus cabelos e imagina as mãos fortes, ao mesmo tempo tão mansas, que faziam isso. Que a rodavam pela cintura obrigando-a a dançar uma dança de pura felicidade, de todos os tempos. Fecha os olhos ali, deitada na grama, num fim de mundo, ainda que dentro de si mesma. Ouve tudo, vê tudo e mente a própria solidão. Porém, à noite, quando tudo se aquieta, não há como disfarçar. Faz tempo deixou de olhar a lua. Faz tempo deixou de olhar muitas coisas. Evita assim mais sofrimento. Não percebe, ou se percebe não manifesta, a morte lenta, inexorável por rejeitar as emoções. Tenta escolher os pensamentos, entre os muitos que lhe vêm, da mesma forma que escolhe um vestido ou outro. Não se dá conta, e se dá não se importa, de que pior que o sofrimento é a própria negação.
Maria ainda fica ajeitando uma coisa ou outra, tentando diminuir as horas, passar o tempo. As lembranças, nessa hora, não ajudam. É como um punhal que finca sem matar. É uma dor que desatina, que não há unguento que dê jeito. Sozinha, no canto do quarto, sentindo-se coisa entre coisas, ela vê o quanto tem de inútil tudo aquilo. Não tem medo de recomeçar, mas sente muito pelo que foi, pelo que poderia ter sido, pelo que não voltará. A cama ficou enorme com todo aquele vazio. Às vezes, fria de trincar os dentes; às vezes, um calor que a faz rolar em todas as direções. Todo o seu ser busca Damastor. As madrugadas são longas, insones, tristes. Maria apenas espera um novo dia, igual ao que passou, ao que virá. Igual, igual...
Ela busca os rastos do seu Damastor em tudo que vê, nas coisas todas da vida. Os matinhos da beira do caminho ainda são os mesmos. Ela evita pisá-los, porque os ama, e porque lembra do que ele dizia: mato também tem direito de viver.
Não se pode dizer que há silêncio ali: a natureza toda grita. Ela ouve, misturada a tudo, a voz dele cochichando em seu ouvido tentando, instigando. Mais que a vontade, sente a presença dele em todas as coisas.
As flores! Que ele lhe ofertava! Não apanhava, deixava-as no pé, mas dizia que todas eram dela. Um presente, um mimo do seu homem, todas as vezes que andavam pelos matos. Tinham esse mania, nos fins de tarde como agora.
No pé de manga não há frutos, não é época ainda. Mas os moradores estão lá, celebrando. Sozinha, ela ouve todos os sons, numa saudade infinita e sente os cheiros, mesmo quando não há. Aperta o passo sem ter por que, como fugindo da tristeza, até alcançar a divisa da cerca. Lá embaixo está o corguinho. Ainda longe, Maria ouve o barulho da água entre as pedras, os grilos que chamam a noitinha. Revê nitidamente tudo que sempre via. Até os insetos em sua profusão, voando em todas as direções. Brilhando as asas com o sol que rebrilha, lembrando que a vida pode ser bela. Ficavam os dois ali, nuinhos brincando, brincando... Ela não ouve a risada dele. Ele quase nunca ria. Mas ouve, como em um sonho, a dela: clara, cristalina, aberta. Meu Deus, como era feliz!
Caminha na água rasa tentando um refrigério. Sente os respingos no corpo quente, latente, que clama... molha a nuca, o rosto, tentando fingir que é o sol ainda quente. Assim, engana o próprio coração. Ela sente o vento despenteando seus cabelos e imagina as mãos fortes, ao mesmo tempo tão mansas, que faziam isso. Que a rodavam pela cintura obrigando-a a dançar uma dança de pura felicidade, de todos os tempos. Fecha os olhos ali, deitada na grama, num fim de mundo, ainda que dentro de si mesma. Ouve tudo, vê tudo e mente a própria solidão. Porém, à noite, quando tudo se aquieta, não há como disfarçar. Faz tempo deixou de olhar a lua. Faz tempo deixou de olhar muitas coisas. Evita assim mais sofrimento. Não percebe, ou se percebe não manifesta, a morte lenta, inexorável por rejeitar as emoções. Tenta escolher os pensamentos, entre os muitos que lhe vêm, da mesma forma que escolhe um vestido ou outro. Não se dá conta, e se dá não se importa, de que pior que o sofrimento é a própria negação.
Maria ainda fica ajeitando uma coisa ou outra, tentando diminuir as horas, passar o tempo. As lembranças, nessa hora, não ajudam. É como um punhal que finca sem matar. É uma dor que desatina, que não há unguento que dê jeito. Sozinha, no canto do quarto, sentindo-se coisa entre coisas, ela vê o quanto tem de inútil tudo aquilo. Não tem medo de recomeçar, mas sente muito pelo que foi, pelo que poderia ter sido, pelo que não voltará. A cama ficou enorme com todo aquele vazio. Às vezes, fria de trincar os dentes; às vezes, um calor que a faz rolar em todas as direções. Todo o seu ser busca Damastor. As madrugadas são longas, insones, tristes. Maria apenas espera um novo dia, igual ao que passou, ao que virá. Igual, igual...
Lécia Freitas
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