Para quem gosta das coisas da terra, o barulho da enxada
carpindo é significativo. Remete às sementes que florescerão. Mas enquanto ouço
esse som, aqui no quintal, que me lembra
tanta coisa penso nos matinhos que estão sendo arrancados. Na terra que está
sendo remexida. Quanto sai de seu lugar para que outros acontecimentos
sobrevenham? Como na vida da gente. Quanto de dor é necessário para que novos
sentimentos surjam? E sejam latentes até
se tornarem os mais importantes. Quantos outros sentimentos vamos deixando de
lado ao considerarmos este ou aquele mais importante. Nem sempre porque
queremos. Às vezes uma emoção é tão forte dentro de nós que entendemos
precisar dela para sobrevivermos neste
caos de insensibilidades. Porque essa emoção nos torna atuantes. Às vezes nos deparamos
no ocaso, quando já não há mais tanto tempo, com um sentir que nos sacode, que nos
impulsiona porque traz um sopro num
mundo já apagado, esquecido, e aí, esquecemos de todo o resto. Como deter esse
sopro que era tudo que a gente esperava e que agora, para nós é tudo que resta?
Mas é preciso enfrentar o fio da enxada. Se temos um
sentimento queremos mostrá-lo ao mundo. Queremos expô-lo par a que todos saibam
que somos capazes. Que somos bons o suficiente para sentir, e para conferir
importância a um outro. E que somos corajosos o suficiente para lutar por ele.
Que somos fortes o bastante para cavar
no outro a certeza do amor correspondido. Que somos sensíveis ao tentar imprimir
na essência dele a nossa própria essência. E que somos frágeis enquanto portadores
dessa emoção. Que vamos nos quebrar, que vamos nos derreter em todas as
tentativas de alcançar essa essência. E se não conseguimos, se o outro não nos
reconhece, se não aceita esse cargo de importante para nós que lhes conferimos,
a dor que advêm é a maior desse mundo.
Existe uma emoção tão grande
quanto, que é a de ser mãe. O ser mãe é um pedaço da gente que sai para fora,
para o mundo. Mas o amor que dedicamos a um outro, esse sentimento que nos
coloca no mundo do outro, isso é querer um outro de fora para dentro. É fazer
do outro parte de nós. É quando a gente ama tanto que deseja aquele alguém
dentro da gente. Acredito que essa doação é ainda maior. Um filho sai para o
mundo e vai criar outro mundo com um alguém.
Esse outro tipo de amor, não. São dois mundos que se tornam um só. É muito
bonito, é muito forte, isso. E o ser humano conhece a verdadeira felicidade
quando olha para o ser amado e vê a própria importância, vê o quanto significa, no olhar do outro. Isso é o real, o
extenso da vida. Todos os outros valores, todas as motivações, as significâncias
terminam aqui. No próprio reconhecimento dentro do olhar do ser amado.
Mas existe o
fio da enxada. Nenhuma dor desse mundo supera a dor da rejeição. Porque é a
constatação da nossa invisibilidade para o outro, do tanto faz. Do “não quero
fazer parte do seu mundo”. Nem a morte é pior que isso. A morte é inevitável.
Extrapola nosso entendimento. Quando a morte leva alguém que amamos não
pensamos em desamor, em desprezo. Não há o que fazer. Fica uma dor, uma
saudade, mas com o tempo a vida volta. Mas a desimportância que temos diante de
um amor que queremos isso nos acompanha pela vida toda. Não há conformação, não
há consolo, não há nada que compense. É o fio do ferro amolado, que corta , que
sangra.
Lécia Freitas
Feliz Ano Novo!
ResponderExcluirSeguimos nossa caminhada na construção de um mundo mais justo, fraterno, humano, harmonioso e de doação.
Todos somos promotores da Paz...que começa em nossos corações e se estende a tudo que nos rodeia!!!
Obrigada por fazer parte da minha história de vida!
UM ABENÇOADO 2017!!!!