sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

COM CAPIM CIDREIRA


            Quando você  planta uma muda de couve ou de hortelã, não precisa muitos cuidados. Se for uma planta rara, aí sim, você vai dispensar toda atenção para que ela cresça. Da mesma  forma, quando em um sentimento qualquer, não se preocupa. Ele cresce sozinho se você deixar. Mas se tem um sentimento de valor, um sentimento raro há muito esperado, você vai cuidar dele! Vai agasalhá-lho para que não sinta frio. Vai colocá-lo em redoma, talvez traga-o para debaixo de cobertas em noites de tormenta.  E por ser uma planta rara, vai amordaçar todos os carneiros exuperyanos para que não a coma. Vai tirar as possíveis larvas de borboletas de asas amarelas, ou outras cores, que gostam de plantas assim. Vai buscar para essa planta os lugares mais sombrios e escondidos ao lado de nascentes de águas cristalinas que só existem incrustadas no pé de serras azuis de Minas Gerais. Se houver feridas vai cuidá-las com unguentos, como os de Camurça, feito de malva macerada com  cravo, curtida em óleos de jamim em potes de pedra. Vai tirar-lhe as pedras do caminho, varrendo com vassoura de ramos de alecrim  e aspergir água de cheiro fresca para que não acumule nenhum pó nos vincos e dobras. Vai alimentá-lo com  tâmaras frescas, rosquinhas de nata com creme, e chás de capim cidreira e essência de limão, adoçado com mel de lindas e brancas flores silvestres. Não irá cantar para ele o canto do Tiê, que estará bicando uma manga, nem da Viuvinha que chora pelo amor que perdeu, mas cantará o mesmo som ,que não cessa, do vento que passa sussurrando em meio às folhas do bambu. Vai enfeitá-lo, não com as cores do arco-íris, mas com as fitas que enfeitam as bandeiras de São João em  noites de dança ao redor de fogueiras. E vai alegrá-lo com a dança mais alegre das cantigas de rodas, enquanto as folhas caem das árvores no mesmo ritmo e compasso, bailando, levando para longe as notícias da mata e dos seus habitantes, desde o mais simples até o mais ilustre, seja uma planta, um bicho ou uma ideia abstrata. Vai sequestrar para ele a emoção na lágrima contida da moça, que se debruça na janela para ver a vida passar, fingindo um riso escancarado em boca vermelha de batom. Para ele vai prender o raio perpendicular da lua que atravessa a janela, ou aquele que se inclina vaidoso sobre a lagoa por se ver tão belo. Vai beijá-lo tanto, tanto com a boca fresca de manjericão e lábios carnudos de goiaba vermelha, que só amadurecem em meados de abril e que recebeu a visita das abelhas  de asas douradas, quando ainda botão branquinho feito a geada que cai do ceu. Não vai represar para ele a água do riachinho que brinca entre as pedras,  brilhando com as luzinhas que roubou do céu, mas vai trazer na memória todos os mistérios da terra, e da Terra do Nunca onde crianças não perdem a inocência porque não se tornam  homens, e das galáxias onde estão escritas todas as histórias de todos os tempos, refletidas em seu espelho concâvo e rodando no espaço sem  fim. Vai lutar com unhas e dentes e todos os golpes capazes com a mais linda flor  para dar-lhe sempre possibilidades evitando as coisas findas,  e que lindas, nunca passarão.  


Lécia Freitas


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