Quando você planta uma muda de couve ou de hortelã, não
precisa muitos cuidados. Se for uma planta rara, aí sim, você vai dispensar
toda atenção para que ela cresça. Da mesma
forma, quando em um sentimento qualquer, não se preocupa. Ele cresce
sozinho se você deixar. Mas se tem um sentimento de valor, um sentimento raro há
muito esperado, você vai cuidar dele! Vai agasalhá-lho para que não sinta frio.
Vai colocá-lo em redoma, talvez traga-o para debaixo de cobertas em noites de
tormenta. E por ser uma planta rara, vai
amordaçar todos os carneiros exuperyanos para que não a coma. Vai tirar as
possíveis larvas de borboletas de asas amarelas, ou outras cores, que gostam de plantas
assim. Vai buscar para essa planta os lugares mais sombrios e escondidos ao
lado de nascentes de águas cristalinas que só existem incrustadas no pé de
serras azuis de Minas Gerais. Se houver feridas vai cuidá-las com unguentos, como os de Camurça, feito de malva macerada com cravo, curtida em óleos de jamim em potes de
pedra. Vai tirar-lhe as pedras do caminho, varrendo com vassoura de ramos de
alecrim e aspergir água de cheiro fresca
para que não acumule nenhum pó nos vincos e dobras. Vai alimentá-lo com tâmaras frescas, rosquinhas de nata com
creme, e chás de capim cidreira e essência de limão, adoçado com mel de lindas e
brancas flores silvestres. Não irá cantar para ele o canto do Tiê, que estará
bicando uma manga, nem da Viuvinha que chora pelo amor que perdeu, mas cantará
o mesmo som ,que não cessa, do vento que passa sussurrando em meio às folhas do
bambu. Vai enfeitá-lo, não com as cores do arco-íris, mas com as fitas que
enfeitam as bandeiras de São João em noites
de dança ao redor de fogueiras. E vai alegrá-lo com a dança mais alegre das
cantigas de rodas, enquanto as folhas caem das árvores no mesmo ritmo e compasso, bailando, levando para longe as notícias da mata e dos seus habitantes, desde o
mais simples até o mais ilustre, seja uma planta, um bicho ou uma ideia
abstrata. Vai sequestrar para ele a emoção na lágrima contida da moça, que se
debruça na janela para ver a vida passar, fingindo um riso escancarado em boca
vermelha de batom. Para ele vai prender o raio perpendicular da lua que atravessa
a janela, ou aquele que se inclina vaidoso sobre a lagoa por se ver tão belo. Vai
beijá-lo tanto, tanto com a boca fresca de manjericão e lábios carnudos de
goiaba vermelha, que só amadurecem em meados de abril e que recebeu a visita
das abelhas de asas douradas, quando
ainda botão branquinho feito a geada que cai do ceu. Não vai represar para ele
a água do riachinho que brinca entre as pedras, brilhando com as luzinhas que roubou do céu,
mas vai trazer na memória todos os mistérios da terra, e da Terra do Nunca onde
crianças não perdem a inocência porque não se tornam homens, e das galáxias onde estão escritas
todas as histórias de todos os tempos, refletidas em seu espelho concâvo e
rodando no espaço sem fim. Vai lutar com
unhas e dentes e todos os golpes capazes com a mais linda flor para dar-lhe sempre possibilidades evitando as
coisas findas, e que lindas, nunca passarão.
Lécia
Freitas
Muito foda esse texto, mãe!!! Parabéns!!! Achei muito foda mesmo
ResponderExcluirEsse ficou diferente, né Rodrigo! Também gostei! Obrigada!
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