terça-feira, 13 de dezembro de 2016
LINDA GRAMÍNEA
Linda gramínea na sua inutilidade de ser linda! Não servirá para nada, além de sua existência. Não servirá de adorno em altares nem em tumbas, visto que simples e anônima. Nem será dada a um amor como prova de afeição. Não servirá de pasto a nenhum ruminante, verdade maior das gramíneas, posto que viceja em rachaduras do cimento que me separa da terra pura, na porta de minha cozinha. Trazida decerto por um pé de vento desavisado aninhou-se por aqui, findando seu bailado como semente e passando a outra fase sem pedir licença, sabedora da sua desimportância neste mundo humano. E agora enfrenta corajosamente as intempéries, seja a chuva torrencial que cai, cai e depois escorre também inútil e enlameada, ou o sol inclemente que permeia, lembrando que os tempos são outros, que o clima está doido e que tudo se encaminha para um fim inexorável. Mas apesar dessa certeza, balança coreografada pelo vento ao som das Maritacas e de todos os Fin-fins que sobrevoam minha vida, dando-se importância apenas por existir, por cumprir um destino, sem se preocupar com o fim dessa estação, quando toda gramínea seca, ou com o fio da enxada que fatalmente extingue as gramíneas. Linda gramínea, que deixa de ser inútil, porque enfeita meus olhos em meio a umidade que persiste diante da ausência de um amor que, presente por se fazer inteiro, não te vê, posto que do outro lado do mundo. E que me fala da poesia mais perfeita, e mais pura que existe, em meio a essa tristeza, a essa deseperança toda, tão melancólica quanto descaridosa. E que me faz quedar pensativa ante o mistério de suas linhas perfeitamente iguais e tão harmonicamente dispostas, distraindo-me de pensamentos fixos e dolorosos. Como é que pode, de uma mistura sair algo tão puro? Como é que pode um alimento, talvez estrume, talvez algum verme decomposto, fazer surgir na mesma raiz o verde tão verdemente brilhante de suas folhas, e o branco tão alvo de suas florzinhas? Sem nenhuma fama, é certo, nos catálogos imponentes das plantas, mas tão importante na porta de minha cozinha. Não sendo minha, não sendo de ninguém, pertence a si mesma, sem holofotes e sem pretensão alguma, traz magia ao meu quintal e a esse mundo desconhecido e fabuloso dos muitos insetos que aqui vivem. Talvez que algum botânico possa explicar cientificamente essa variação de cores, talvez até te dê alguma importância no mundo das plantas e das gramíneas, mas não saberá explicar a fórmula usada em toda sua criação. Não saberá da poesia existente em sua existência inútil, mas tão explícita, tão visível aos poetas e aos amantes que amam amores do outro lado do mundo dos humanos, e que precisam de uma gramínea em sua porta para suportar as distâncias geográficas desse mundo. Precisam de você, minha linda gramínea, tão inútil em seu bailado ao vento, em sua gradação de cores brilhantes em sua perfeição de formas desenhada pelo Dono dos jardins. Que te concebeu dessa forma, determinando que menininhas sonhadoras e cheias de poesia te amassem assim, tão inútil e tão necessária na sua inutilidade, apenas por enfeitar a vida, suavizando o sentir .
Lécia Freitas
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