Como
na primeira vez
Quando a gente apaixona pela primeira vez, na
adolescência, quase sempre somos uns monstrengos, com aparelhos nos dentes, a voz
esganiçada, sem nenhum estilo, e com o corpo ainda em formação. Dá uma tremedeira
danada quando encontramos a pessoa amada.
O tremor, no entanto, não acontece tanto pela
vergonha que temos de uma hipotética feiura e falta de jeito. Ele acontece, com
certeza pela emoção, porque volta, mesmo quando somos adultas e com
conhecimentos para melhorar uma coisa ou outra na aparência. E assim, pela vida
afora. Sempre ficamos inseguras diante de um novo amor. Temos medo da rejeição,
da não aprovação.
Mas quando o amor acontece, já tardiamente, é
muito pior. Temos argumentos de sobra, sabedoria, conhecimento de mundo.
Podemos conversar sobre quase tudo, e conhecemos muito dos segredos de alcova.
A vergonha ficou lá atrás, quando entre paredes. Espera-se muitos gemidos e
sussurros, beijos sem fim, champanha em curvas, mordidelas em lóbulos, línguas
e bocas. E amor muito amor!
Mas o que fazer com as rugas, com a flacidez?
Como disfarçar a falta de agilidade em acrobacias e posturas, próprias de um
momento em que se espera superar amores passados, garantir o espaço. Alguns até valorizam inteligência, etc
e tal., mas não se leva nada daquilo para debaixo de lençóis. E aí, vem o medo,
a vergonha pelo tempo que passou, implacável, no próprio corpo, deixando
marcas. e levando outras.
Nessa hora, diante do espelho, a frustração,
quase leva a desistir, daquele deus, que apareceu numa espécie de milagre, uma
vez que já não se esperava mais ninguém. Como disfarçar o tempo: não há mais
brilho nos cabelos, não há elasticidade, não há curvas.
Ela lembra que passou a vida inteira sem se
preocupar com isso, esperando placidamente os anos correrem. E agora este
turbilhão de sentimentos a leva de volta
a um frenesi, a um desvario e ela gostaria de ter uns anos a menos para
poder aproveitar. Não é qualquer dia que se apaixona dessa forma, nem qualquer
pessoa.
O sentimento do amor não é mais nem menos
forte de acordo com a idade. O amor é uma dádiva, é uma possibilidade de uma
vida toda, e quando acontece, temos que receber e sermos gratos.
No entanto, não há tempo de consertar nada antes de um
possível encontro.
Mas, como sonegar um amor que
diante de tanta emoção, que aflora qual fonte
e escorre sobejamente, te
inebria, e ao mesmo tempo te atormenta, tão vivo, tão real, e você fica o dia
todo pensando naquilo, sentindo até o perfume dele, a textura daquela pele que
você acariciou e da boca que quer beijar
tantas vezes, com o mesmo frêmito que te
faz arrepiar ainda hoje?
Como sonegar este amor que traz consigo, uma força incontida,
que desarrumou a alma e a vida,
carregando em seu dorso essa adolescência tardia, e que, apesar de tudo, traz também uma doçura, um carinho, que por
vezes, você fecha os olhos e vai lá no fundo resgatar um
sentimento que te faz sentir parte de tudo?
Como sonegar um amor que, depois de
tanto tempo, ainda faz você desejar mãos vigorosas a percorrer curvas e pele num prazer que
enlouquece e te retorna à vida?
Como sonegar um amor tão fundo, tão
querido, tão precioso, talvez o último a
te acompanhar pela vida afora?
Lécia Conceição de Freitas
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