O
amor e os vincos
Quando você pensa que a vida acabou, vem um
amor tardio e te dá “uma rasteira”. Porque junto com ele, vem todo aquele
sofrimento do qual já se acreditava imune. Dor desgraçada de doída. Porque o
amor, o amor não tem medidas! Ainda que não seja correspondido, ele existe, e
dói!
Chega de mansinho, ou de supetão, tanto faz.
Olha pra gente meio que surpreso, mas concede um brilho nos olhos, tinge os
lábios, e realça uma beleza já apagada, esquecida. A música do amor pode vir em sons de grilos num ritmo
inesperado ou em mil badalos de sinos, num carrilhão universal. E vibrar para
sempre, seja nas fibras de um coração, seja no infinito. E com todas as
sinfonias combinar os liames de toda a ternura que há na Terra, para mitigar
possíveis dores e amargos. E a felicidade que ele traz vai te fazer rir de
coisas sérias ou de trivialidades, numa loucura sem compromissos.
E você se entrega àquele grego, como a um
deus de verdade, que vem, não com raios ou tridentes, qualquer coisa ligada aos
deuses gregos, mas tão real, como o personagem de Zorba, o Grego, com aquela touca preta, e um olhar penetrante, tão
sensual, com os lábios cerrados e a barba que não se importaria de roçar, e os cabelos
compridos em que aprofundaria os dedos, ao mordiscar lóbulos e lábios enquanto
viaja sem voar.
Você se desnuda por inteira, fala de
desventuras, mostra cicatrizes e se extasia em fantasias. Nem percebe a solidão. Nem percebe a busca
pela saciedade no reflexo onde está espelhada uma sede que o próprio deserto
inventou. Nessa vontade alucinada de amar, você quer para si todos os sorrisos,
todas as cores, todas as flores. Espera, como uma noiva virgem, o rubor das
faces, com todos os beijos que pensa
merecer. E acredita que vai perpetuar em suas entranhas o gosto do outro, que
seus cheiros se confundirão, e que o amor, ah o amor, vai crescer em
possibilidades.
Incauta. Esse mesmo amor vai fecundar tudo
quanto era sentimento escondido, enterrado. Ele traz em si todos os verbos que
já foram ditos e silenciados, além de criar outros, numa verborragia insana, só
para entristecer mais ainda a expressão daquele amor. E você não vai conseguir
fechar o coração aos lamentos. A dor não será menos violenta graças à muita
história. Por isso mesmo, era de se esperar menos condescendência. Em vão. Cada
amor é um, e revela em seu dorso, desejada
paz de andorinhas, canto de bem-te-vis, cheiro de fruta madura.
Nessa hora não se acredita em aprendizado.
Fica mais uma fibra a endurecer o vão
cavado na alegria. Em algum resquício de sonho resta o corpo vagueando ímpar.
Soçobra a dor que ficou no vinco.
Lécia Conceição de Freitas
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