sexta-feira, 13 de maio de 2016

Sobre a dor do amor

O amor e os vincos

Quando você pensa que a vida acabou, vem um amor tardio e te dá “uma rasteira”. Porque junto com ele, vem todo aquele sofrimento do qual já se acreditava imune. Dor desgraçada de doída. Porque o amor, o amor não tem medidas! Ainda que não seja correspondido, ele existe, e dói!
Chega de mansinho, ou de supetão, tanto faz. Olha pra gente meio que surpreso, mas concede um brilho nos olhos, tinge os lábios, e realça uma beleza já apagada, esquecida. A música  do amor pode vir em sons de grilos num ritmo inesperado ou em mil badalos de sinos, num carrilhão universal. E vibrar para sempre, seja nas fibras de um coração, seja no infinito. E com todas as sinfonias combinar os liames de toda a ternura que há na Terra, para mitigar possíveis dores e amargos. E a felicidade que ele traz vai te fazer rir de coisas sérias ou de trivialidades, numa loucura sem compromissos.
E você se entrega àquele grego, como a um deus de verdade, que vem, não com raios ou tridentes, qualquer coisa ligada aos deuses gregos, mas tão real, como o personagem de Zorba, o Grego, com aquela touca preta, e um olhar penetrante, tão sensual, com os lábios cerrados e a barba que  não se importaria de roçar, e os cabelos compridos em que aprofundaria os dedos, ao mordiscar lóbulos e lábios enquanto viaja sem voar.
Você se desnuda por inteira, fala de desventuras, mostra cicatrizes e se extasia em fantasias.  Nem percebe a solidão. Nem percebe a busca pela saciedade no reflexo onde está espelhada uma sede que o próprio deserto inventou. Nessa vontade alucinada de amar, você quer para si todos os sorrisos, todas as cores, todas as flores. Espera, como uma noiva virgem, o rubor das faces, com  todos os beijos que pensa merecer. E acredita que vai perpetuar em suas entranhas o gosto do outro, que seus cheiros se confundirão, e que o amor, ah o amor, vai crescer em possibilidades.
Incauta. Esse mesmo amor vai fecundar tudo quanto era sentimento escondido, enterrado. Ele traz em si todos os verbos que já foram ditos e silenciados, além de criar outros, numa verborragia insana, só para entristecer mais ainda a expressão daquele amor. E você não vai conseguir fechar o coração aos lamentos. A dor não será menos violenta graças à muita história. Por isso mesmo, era de se esperar menos condescendência. Em vão. Cada amor é um, e revela em seu dorso, desejada  paz de andorinhas, canto de bem-te-vis, cheiro de fruta madura. 
Nessa hora não se acredita em aprendizado. Fica mais uma fibra a endurecer o vão  cavado na alegria. Em algum resquício  de sonho resta o corpo vagueando ímpar. Soçobra a dor que ficou no vinco.

Lécia Conceição de Freitas


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