Um
amor que eu tivesse...que eu teria
Dia
desses, indo ao médico e mencionando minha solidão, ele me alertava que é
preciso ter fé. E me fala do
voluntariado para preencher vazios e tristezas. Eu acho que ele não
entendeu meu desabafo, meu pedido de socorro.
Eu
acredito no trabalho voluntário e até admiro, mas não era disso que falava. E
fé, eu tenho fé. Acredito numa porção de coisas, além da fé religiosa. Creio,
principalmente, em transformações, advindas de uma vontade e de ações. Nada
acontece só por se querer, é preciso fazer.
Mas
também não era disso que eu estava falando. Eu falava dessa solidão que sinto enquanto
observo os passarinhos namoriscando na beira do meu telhado. O homem é um bicho
par, então cadê o meu? A solidão a qual me impus, numa época de minha vida, já
não tem razão de ser. Deixou de ser necessidade para virar um fardo. Porque a
tristeza de ser um não tem recurso.
Voltando
aos passarinhos —é sabido que os amo — distraio-me vendo suas idas e vindas e nos
beijos que trocam a cada encontro, numa demonstração explicita de carinho. Fico
pensando no turbilhão de carinhos meus que ficaram represados. Meu Deus, dou-me
conta que minha vida se esvai e que não haverá tempo, nem ninguém para
externá-los. Posso distribuir uma gama de sentimentos a outras pessoas, que
convivem comigo e que fazem parte de minha vida e até ser feliz por isso, mas
não é disso que falo. Filhos, a gente ama imensuravelmente, sem condições, mas
eles não são nossos. Nós os criamos para a vida, e uma hora eles se vão. E tem
que ser assim para que haja continuidade. Para eles seremos sempre a barricada,
nas atribulações, podemos ser tanto a primeira quanto a última instância, o que
nos outorga um poder, um privilégio, mas alcançada a calmaria, retornam aos próprios
espaços, aos próprios pensamentos. E deve ser assim!
Além
disso, não há como transferir sensações de prazer nos diversos tipos de relações
que temos ao longo da vida. Cada uma tem seu lugar e sentidos definidos. O ser humano
é pródigo em fazer essa separação de sentimentos.
Eu falo do sentimento que nos coloca no mundo
do outro como único. Aquele que se busca, em qualquer instante para compartilhar,
para acrescentar. A quem se dirije o primeiro e último pensamento, na alegria
ou na tristeza. Ao ver a flor...a chuva... o sorriso... a música... ou todas as
cores... As coisas dessa vida, os
sentimentos ou as ideias. A pessoa que se escolhe para um caminho. O
companheiro. O amante.
É
certo que tive amores! Sempre fui passional, intensa. Mas, vejo agora, não eram
tão amores, já que se esgotaram. E amor, para ser prazeroso, tem que ser
renovado a cada dia. Nada daquela submissão melodramática que se vê por aí. A delícia do amor tem que vir junto com o
respeito à individualidade. É preciso ser um primeiro, para aprender a ser
dois. Na medida certa. E as pessoas que encontrei não tiveram essa medida. E
aqui estou, sem arrependimentos, ou lamúrias, porém só, ímpar.
Onde
buscar um amor , não que preencha, mas que complemente? Onde buscar um amor que
afague, não somente um corpo mas também e, principalmente, a alma? Onde
encontrar um amor capaz de suscitar
emoções num esgotamento sem fim, em um paradoxo de matar de prazer quem anseia
pela vida?
Também
é certo que por mais que o homem faça, a busca pela riqueza, poder, nada disso se equipara à
felicidade de ter a pessoa amada. Não como um brinquedo em que o prazer é de
uma só via, mas sempre duplo, e em construção. Um amor que leve a se emocionar com
essas cores, essa luz de outono, essa paz de namoro de passarinhos
Tudo
o que se espera nessa vida é que depois
de travadas todas as batalhas cotidianas, ao fechar a porta, haja dois braços que te acolhem, e que haja
mãos suavíssimas em carícias, capazes de matar em momentos de paz que somente
dois reconhecem. Em que se perceba o quanto o outro é capaz de fazer pela própria
felicidade e pelo amado. Para sempre ou enquanto dure.
Lécia Conceição de Freitas
Nenhum comentário:
Postar um comentário