Imagina-se a saudade como silenciosa. Talvez porque remeta à solidão. Mas ela não é! Ela traz em si todos os barulhos do amor vivido. Ela carrega a inquietação própria dos amores intensos. Toda a barulheira que o outro fez para se instalar dentro de nós. E que nós permitimos porque a alma estava em festa. Varremos todos os nossos cantos com a vassoura mais fina. Tiramos móveis do lugar, trocamos alguns, esvaziamos velhas gavetas, cedendo lugar para as coisas novas. Tudo para encontrar bastante espaço para que o bem querer se acomodasse. Já imaginando que seria para sempre. E agora que ele se foi a saudade lembra tudo isso. E vai ser preciso refazer as coisas, recolocar tudo no lugar, os sentimentos. É por isso que dói tanto, que fere. Alguns sentimentos estão colados, grudados. E ao retirar a casca, sangra dolorosamente. E a alma grita de dor! Não há silêncio nesse grito!
Durante o tempo deste amor, tentamos de todas as formas, buscar a alma do outro e colocá-la em nós. E nos esforçamos, exaustivamente, para colocar dentro dela a nossa própria essência. Mas se não era para ser não conseguimos. E quedamos, extenuados, vencidos. E a vida perde toda a graça. Sem o outro em nós perde-se o sentido, as coisas todas.
É por isso que a alma se quebra. E ao remendar, colar os pedaços, sempre fica faltando um. Nunca ficamos por inteiro após um grande amor vivido. Vamos deixando pedaços de nós pelo caminho. Mas é preciso refazer. E amor tem que ser a dois. Amor sozinho é suicídio, e devemos matá-lo em nós, antes que nos mate. Isso, porém, é mais triste que a própria morte. Sentir um amor assim que um dia te fez tão feliz, que um dia fez você se sentir único no mundo, que você cuidou para que crescesse, e que agora você tem que sufocar, se quiser ser sano. E vai ser preciso muito cuidado, muita coragem, para acabar com esse sentir
É preciso observar os escaninhos, para ver se tem alguma coisa escondida. Porque o coração é traiçoeiro, nessas coisas de amor, e pode ter guardado algo de propósito, para que o amor não se vá de todo. É preciso limpar as gavetas, todas, enquanto se espera novos mimos, novas lembranças do novo amor que virá. Pode ser que não tarde, pode ser que nunca venha. Porque, às vezes, cavamos tão fundo buscando lembranças, que não encontramos o caminho de volta. Porque, às vezes, a alma da gente dançou tanto em redor da alma do outro, que perde o rumo. Porque, às vezes estivemos tão entranhados pelo outro que perdemos a nós mesmos, a nossa essência. Nesses casos, é preciso esvaziar a tristeza e que não fique nenhum resquício. É urgente que se cale o sussurro do nome amado, abafar todos os sons É preciso chorar todas as lágrimas para que apague até o último sorriso que ainda é dele. E que lave a alma, que are a alma, para novas sementeiras.
Pode ser que venha. É preciso que venha.
Lécia Freitas