Hoje de manhãzinha passei pelo Bariri. E por causa da chuva desses dias percebi que ele renovou todas as cores. Dei-me o luxo de sentar num daqueles bancos, por um bom tempo. Fiquei observando a felicidade nas coisas, na natureza e nas pessoas que também estavam lá. Quando saio de casa não o faço como quem esqueceu o feijão no fogo. Observo tudo! Tento imprimir alguma alegria e guardá-la para mim. Olho para as pessoas no interno delas, quando me interpelam. Porque é no macio de si que elas se encontram. Tento entender onde está o equilíbrio da vida em cada um.
Eu fiquei ali parada, mas não me encaixava. Senti tudo que havia do lado de fora. Havia passarinhos, muitos passarinhos. Aliás, como há passarinhos no meu bairro. Talvez pelo tanto de verde. Pelo silêncio constante, já que não há trânsito. Ou porque as crianças daqui, devido aos iphones, desconhecem estilingues e arapucas, graças a Deus! Não deixa de ser um progresso. Torto, mas agradecemos.
No Bariri, eles vivem em profusão. Pude chupar algumas das frutas que estão ali, à vontade, para eles. Eles chegavam bem perto, sem medo algum, confiantes. Saltitavam, entre as flores caídas, chamando companheiros ou simplesmente, treinando algum canto novo. Tudo falava a mesma linguagem. E eu, eu era estrangeira a ela. A linguagem do bem-estar, da paz de espírito.
Algumas crianças brincavam no parque. De longe eu ouvia as suas risadas, algumas vozes de adultos, decerto alertando alguma coisa, e novas risadas. Ouvia o barulho dos adolescentes nos seus skates velozes, lá na pista. As expressões de júbilo por alguma manobra. Vi as moças com seus trajes de última moda apropriados para caminhadas, e me perguntei se elas não estavam tentando chamar atenção de alguém com roupas tão vistosas. Na verdade, as mulheres estão sempre tentando chamar a atenção de alguém. E vi os velhinhos que passavam, também fazendo suas caminhadas. Mas tão devagar que nem sei se isso tem algum efeito funcional. Deve ter, melhor que ficar parado em casa, rezando, vendo tv, criando mofos. Também para que andar depressa? Talvez, na ânsia pela vida, que todos têm, tentam aprisionar o tempo, num momento em que todos correm. Tentam sequestrá-lo, ignorando-o, acintosamente, para que dure um pouco mais.
Algumas velhinhas estão usando tênis bem coloridos, talvez buscando uma jovialidade. Ou talvez porque queiram, também, chamar a atenção de alguém, vaidosamente. Alguns casais de idosos andam de mãos dadas, numa demonstração explícita de carinho, de cuidado pelo outro, dos quais também sou estrangeira.
Nessas horas, eu percebo como não me encaixo, não me encaixo. Eu sinto as coisas todas, tão perfeitamente como Deus fez. Seja no encrespar da água da lagoa, ou no andar peculiar dos patos. Eu vi o bailado das pétalas das flores caindo levadas pelo vento. Eu percebi a angústia de um pintinho piando sozinho e fiquei imaginando o que estaria fazendo ali no meio de um parque. Eu vi os cães passando com seu andar de quatro patas, tão sincrônicos, sempre de cabeça baixa ignorando os humanos. E vi os humanos, nesse mundo tão perfeito, ignorando os outros e talvez a si próprios, camuflando as próprias dores.
Eu sinto tudo até à sua essência, e sou grata por isso. Eu vejo todas as coisas em seus lugares cumprindo seu papel, perfeitas e pré determinadas. Eu não. Eu não me encaixo. Sempre que tento, alguém me coloca para fora da ciranda. A ciranda da vida. E eu não encontro o meu lugar. Não percebo raízes, não encontro ressonância. E por isso as vibrações se perdem. Estão sempre soltas no espaço. A dor por se perceber dessa forma é funda, e fina. Não é como uma dor grossa, inteira, que você sente e quase pode pegar com as mãos e tirar dali. Como quem vai andando distraído e dá uma topada na pedra. Uma massagem no local, alivia. Essa dor , não. É fina como o motorzinho do dentista. Que vai chegando, toma conta de seus pensamentos e se instala.
Penso que talvez seja meu Karma nesta vida. Mas se é para ser assim, Senhor, por que me fizeste dessa maneira? Por que não me fizestes mais rude, Senhor?
Lécia Freitas