Devia ter uns 7 a 8 anos, e naquele
tempo a vida era muito boa. Sem preocupações, e com o carinho da avó e dos irmãos. Já não tinha mãe, mas a
vida seguia.
Sobre as coisas do mundo, alguém lhe
dissera que se subisse até uma das serras, que limitavam sua visão, conseguiria
tocar o céu com as mãos. E ela acreditava nisso, assim como acreditava que um
dia, quando morresse, moraria lá, naquele azul.
Entretanto, havia outros mistérios
que martelavam na sua cabecinha. Já sabia que a terra era redonda, qua havia os
mares e muitas outras coisas. Porém, não conseguia formar uma imagem do mundo
por mais que tentasse. Imaginava a terra como uma bola enorme e que todos
moravam lá dentro. Então, não conseguia entender a posição do céu. Como o céu
era infinito se estava dentro da bola? Ficava horas pensando nisso. Não conseguia
entender, e nem explicar a alguém o que não entendia.
Sempre fora contemplativa! Gostava de
ficar parada, olhando o serviço muído das formigas. Acompanhava a correição até
o formigueiro e gostava de imaginar o que elas conversavam quando se cruzavam
no caminho. Todas as formigas fazem isso! Talvez confirmem a localização exata.
Tentava ajudar aquelas que carregavam um peso extra, mas isso nunca deu certo.
A operária deixava o fardo e saia ziguezagueando pelo matinho ralo.
Também ficava na beira do riachinho.
Fitava uma gota d’água apenas e a seguia por entre as pedras roliças do fundo.
Essas pedras eram como as teclas de um piano ou as cordas de uma viola. E as gotas
de água cantavam, cantavam... quando passavam por elas. E ainda traziam umas
luzinhas faiscantes, reflexo do sol! Tão bonito
era seu mundo! Os sons, os cheiros, que haviam por lá, nunca mais encontrou.
No quintal havia muitas bananeiras,
e por isso era um local silencioso, fresco e gostoso de ficar. Ao lado, nascera
um pé de alecrim. O alecrim do mato é muito usado nas roças para fazer
vassouras. Pode ser usado para varrer o terreiro e o forno de barro. Esses fornos
são aquecidos com lenha, que depois são varridas para que se possa introduzir as
peças de lata com os biscoitos. Nos dias
que as biscoiteiras trabalham, a quantidade de cheiros que se exalam,
realmente fica na nossa memória. O alecrim, ao ser queimado na quentura do
forno, soltava um cheiro que se misturava ao das quitandas e isso não se
consegue esquecer. Ela ainda não ouvira falar no Meu Pé de Laranja-lima, mas também amava o pé de alecrim. Nem tampouco
conhecia os Jardins de Compenhague. Até hoje, em suas lembranças, acha que ele
é o mais lindo de sua vida.
Um dia, depois da escola, estava
deitada debaixo do pé de alecrim, sentindo todo a gostosura de estar ali,
dentro da natureza que amava tanto: ouvindo os passarinhos na mangueira;
observando o céu azulzinho e pensando até onde ia dar aquele céu. Onde ele
terminaria? Do quê era feito? O que teria depois do azul?...
De repente nasceu! Como se outra
vida começasse ali, entendeu num átimo como se explicava aquele mistério!
Sentiu vontade de abraçar o pé de alecrim! E sorria...sorria por fora, por
dentro... Era toda sorriso! O mundo era em cima da bola, e não dentro! E o céu
era o resto! O espaço de que tanto falavam!
Entendeu o mar, os oceanos, tudo que
a Geografia fala e que veria bem mais tarde, na escola. Entendeu, então, que nunca conseguiria
alcançar o céu com as mãos, por mais alta que fosse a serra.
Isso foi há muito tempo, mais de
cinquenta anos! No entanto, significou tanto que ainda guarda na memória a
emoção da descoberta. Teve outras, ao longo da vida, mas nenhuma como essa!
Compreendeu enfim, que nascemos a cada conhecimento que apreendemos. Que
acumulamos essas emoções e vamos nos fazendo seres inteligentes. Porém, cada
vez mais curiosos e sedentos de novas descobertas. É certo que todo ser humano
deve ter bens materiais que irão dar um conforto, condições dignas de sobrevivência,
etc. Contudo deve buscar o conhecimento. No final das contas, é isso o que importa.
Lécia
Freitas