(As personagens)
Em
um romance, as personagens devem ser construídas de modo que o leitor reconheça
nelas, pessoas que povoam o mundo real, embora sejam habitantes de um mundo
ficcional. Elas reproduzem as pessoas e criam uma realidade para o leitor.
No
texto de ficção, as personagens que apresentam comportamento previsível são
classificadas como personagens planas ou lineares, cuja definição só aparece
uma vez em definitivo.
Já a
personagem redonda ou esférica é apresentada sob vários aspectos, é
imprevisível como a própria vida. Seu comportamento imprevisível e suas
características psicológicas são complexas e exigem uma análise mais profunda e
atenta.
Nas
mais diversas narrativas sempre haverá as personagens protagonistas em torno
das quais se desenrolam os fatos. Interagem com elas, as personagens
secundárias e as mais diferentes espécies como as antagonistas, figurantes,
etc.
O escritor Guimarães Rosa idealizou, para povoar essa história, uma
infinidade de personagens que compõem o
bando de jagunços e os habitantes dos
lugarejos “perdidos” no sertão. É uma tarefa “dificultosa” enumerá-los. Alguns,
somente citados, outros aparecem apenas
em algumas ações.
Entre os figurantes destacam-se o menino
Guirigó, o cego Borromeu, os jagunços: Alaripe,
Siruiz e tantos... Entre as prostitutas, Nhorinhá, Miosótis e outras...
A noiva, Otacília. Os estudiosos referem-se
à Maria Mutema, que matou o padre; Selorico Mendes, o padrinho; Quelemém, o guia espiritual.
Os
sub chefes do bando: Sêo Candelário,
Medeiro Vaz, Marcelino Pampa, Titão Passos
e finalmente Zé Bebelo. Riobaldo admirava todos eles, porém, por Zé
Bebelo ele tinha amizade. Foi seu
professor, e depois, seu advogado de defesa no julgamento que o expulsou do
sertão. Zé Bebelo voltou somente com a morte do Chefe Maior, Joca Ramiro,
empenhado em caçar os culpados. Para
isso, Zé Bebelo se “arvora” de chefe e passa a comandar o bando, em que se
encontra Riobaldo e Diadorim. Em certo momento, Riobaldo toma-lhe a chefia ao
perceber seu enfraquecimento no comando.
Entre os secundários de maior expressão, surge
Joca Ramiro, pai de Diadorim, e comandante de todos os jagunços do “sertão das
gerais” e redondezas. Trata-se de uma figura emblemática, é querido por todos devido ao seu poder de
discernimento e capacidade de “mando”. É morto à traição por Hermógenes,
figura associada ao Mal, por Riobaldo, e
Ricardão seu comparsa. Eram odiados por muitos jagunços, mesmo antes da
traição. Ambos são mortos durante combate, realizado como propósito de
vingança.
Durante
o julgamento de Zé Bebelo dominado em um combate, Hermógenes e Ricardão,
igualmente subchefes, exigiram como
sentença, a morte para ele. No entanto, Joca Ramiro decide ouvir alguns do
bando que defendiam Zé Bebelo por considerarem que matar fora de combate configura
assassinato e, portanto, eles eram
contra. O Chefe, Joca Ramiro, então ordena que, como sentença, Zé Bebelo
vá-se embora do sertão, podendo voltar somente depois da morte do próprio Ramiro.
Fica bem claro nessa passagem o código de honra dos jagunços. Assim percebe-se
a preocupação de Guimarães Rosa com a verossimilhança na caracterização de seus
personagens.
Os protagonistas, Riobaldo e
Diadorim, apaixonam-se desde o primeiro
momento em que se viram, ainda crianças, no porto do de-Janeiro. Diadorim, que
se chamava Reinaldo, reservando o apelido somente para o amigo, representa a
ambiguidade, sendo considerada por
Riobaldo “o em silêncios”. Em diversas
passagens percebe-se o seu amor por Riobaldo, porém ele nunca se declara, pois acredita que antes de revelar seu segredo a
Riobaldo e serem felizes, ele deve vingar a morte de Joca Ramiro, seu pai. Sua
figura é sempre associada à neblina – “mas Diadorim é minha neblina” (2006,
p.21) – e ao verde por causa dos “olhos verdes
semelhantes grandes, o lembrável das pestanas compridas” (2006, p.138).
Reinaldo/Diadorim era bonito de feições
delicadas e passos curtos. Mostrou para o amigo, Riobaldo as belezas naturais da região. Tinha
ciúmes dele com as outras mulheres e por
isso demonstrava mau humor. Era valente, bom de briga de faca. Conseguiu seu
intento de vingar a morte do pai matando Hermógenes, mas foi ferido mortalmente
por ele vindo a falecer. Seu
segredo revelado após sua morte o que
leva Riobaldo ao desespero e a abandonar a jagunçagem.
Riobaldo,
o narrador, já velho, rememora os acontecimentos que marcaram sua vida. Do
tempo que era jagunço e que amava o companheiro de armas, Diadorim, sem, no
entanto, entender e aceitar aquele amor. Amor tão forte que foi determinante na
decisão de ser jagunço.
Narra
sua vida, a um senhor, na esperança de entender o que lhe aconteceu e,
assim, reconhecer a si próprio.
“Diadorim? Nela pensa até hoje... E tantos anos já se passaram” (ROSA, 2006,
191). Seu maior dilema é a dúvida sobre a existência do Diabo e se teria feito
um pacto com ele para conseguir vencer Hermógenes e vingar a morte de Joca Ramiro, na intenção
de agradar Diadorim: “Pelo amor de seu
pai, Joca Ramiro , eu agora matava e morria, se bem” (ROSA, 2006, p. 41).
Ao término de sua narração conclui que não há diabo. O que existe é o
Homem capaz de escrever a própria história rumo ao infinito.
A
análise dos elementos da narrativa no presente trabalho se justifica uma vez
que foge aos parâmetros de uma narração tradicional. Entende-se que a composição
desses elementos contribui para a estruturação da linguagem poética. A começar
pelo título que propõe um sentido ambíguo, porém se analisar-se pelo aspecto
poético há uma indicação de plurissigno
nas palavras. O Sertão como tal se apresenta, na obra, adquire inúmeras
possibilidades de interpretação e significados.
Além disso, os dois pontos presentes no título sugerem que o sertão
circunda as veredas uma vez que estão contidas nele. Essas veredas constituem aquele espaço onde a vida se torna mais
pujante. Devido à presença da água a natureza se manifesta com mais força e é
onde as coisas acontecem. No mais tudo “é céu e chão”. Conforme o autor declara
“o Sertão é misturado”, portanto, híbrido,
o que o torna , também, pleno de poeticidade.
O
espaço roseano envolve e é envolvido com as vivências e emoções dos
personagens. O espaço não se delimita e o autor
afirma: “O sertão é do tamanho do mundo.” (ROSA, 2006, p. 73). “Esses
gerais são sem tamanho... O sertão está em toda parte”. (ROSA, 2006, p.
08). Na narrativa o sertão se apresenta
mutável e cíclico, como tudo na vida, em uma mobilidade labiríntica como a
própria narrativa. Comprova-se com as diversas referências ao movimento do vento, e das águas dos rios e
da chuva. Além disso, durante os episódios em que o bando de jagunços se perde
no sertão, tem-se a sensação de que o sertão se move, de que os lugares se movem.
O
tempo, da forma como é colocado na obra, com volteios, e mesmo a
descontinuidade, tem relevância na narrativa, uma vez que o autor utiliza dessa fragmentação para
destacar as lembranças mais significativas de sua vida, sendo necessária a
análise para o entendimento da obra em estudo. Na
narrativa de Riobaldo, o tempo encolhe e se dilata, de acordo com as suas
memórias e com a indistinção espacial. Nesse sentido, o tempo configura-se como
um dos elementos mais relevantes na composição da obra.
As
personagens contribuem, naturalmente, pois são elas que orquestram as ações e
acontecimentos, favorecendo a linguagem poética. Na fabulação roseana, as
personagens são caracterizadas a partir dos detalhes físicos em descrições pormenorizadas,
com traços poéticos. Guimarães Rosa, sutilmente, através de indícios revela a
feminilidade de Diadorim, ao longo da narrativa, como pode ser observado
em trechos como: Os olhos verdes,
semelhantes grandes, o lembrável das compridas pestanas, a boca melhor bonita,
o nariz fino, afiladinho” (ROSA, 2006, p.138). “Mas Diadorim sendo tão
galante moço, as feições finas
caprichadas...não achavam nele jeito de macheza.” (ROSA, 2006, p. 159).
Embora
uma personagem ambígua, Diadorim é a
força que move e mantém a narrativa, o
elemento fabuloso da história de Riobaldo. É o ser que impulsiona Riobaldo em
suas ações, que lhe incute a coragem. Por causa dele Riobaldo aprende tanto do
amor quanto do ódio, e é ele que lhe infunde
a sensibilidade para perceber as belezas
das coisas simples.
Finalmente, o narrador, que conta a
história e revive a própria vida na tentativa de entender o que lhe aconteceu e
os próprios sentimentos. Ele conta vários pequenos casos, que aludem às antigas
narrativas orais, e que têm como conteúdo
a presença gratuita do Mal. A
dúvida sobre a existência ou não do Mal movimenta toda a história. Porém,
Riobaldo questiona se o Mal existe por si mesmo, algo objetivo, ou se existe a
dificuldade do homem em discerni-lo do
Bem. Na narrativa ficcional, não há como
elucidar os conflitos existenciais de Riobaldo, no que se refere à
existência do Demônio, uma vez que fogem ao plano real.
A oralidade e a negação
da lógica, presentes na narração, reforçam o aspecto poético da linguagem.
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