5.6 Recursos de
Linguagem
Buriti, buriti e a sempre-viva-dos-gerais que miúdo viça e
enfeita: o mundo é mágico!
João Guimarães Rosa
A
construção verbal de Grande Sertão:
Veredas constitui toda a beleza contida na obra. O autor se esmera e perfaz
o espetáculo, em um processo de reinventiva da língua em que se mesclam o
erudito, o popular e o sertanejo. o amalgama roseano funda uma nova linguagem
que, inclusive, expressa a si mesma, sendo ela a forma e o conteúdo. Devido à
potência dessa linguagem criada pelo
autor, torna-se trabalhosa e demorada a
análise de todos os recursos utilizados na
escrita de Grande
Sertão: Veredas. Sendo assim, decidiu-se por sinalizar os mais
significativos para a presente pesquisa.
Na
revolução linguística de Guimarães Rosa, destaca-se, entre outros, a renovação
sintática, sobre o que a estudiosa Maria Betânia Diniz Ferreira, afirma:
na estruturação da sintaxe o autor faz
emprego da síntese (concisão) redução e solidez para a escrita de muitas das
frases. Há uma diversidade de períodos curtos, com predomínio de coordenação e
justaposição de frases no percurso: [...]
me alembro, meu é. Ver belo: o céu poente de sol, de tardinha, a roseia daquela
cor. E lá é cimo alto: pintassilgo gosta daquelas friagens. Cantam que sim.
Revejo. Flores pelos ventos desfeitas. Quando rezo penso nisso tudo. Em Santíssima Trindade.
/ A ver, Diadorim, a gente ia indo, nós dois, a cavalo, o
campo cheirava, dez metros de chão em flor. (FERREIRA 2006, p. 30-34).
É
possível constatar, na obra, que Guimarães Rosa associa um número de orações,
dentro de um período, sem utilizar conetivos, pronomes relativos ou preposições,
optando pela forma justaposta. Através da influência da linguagem oral e de um processo de
associações de ideias, o autor revela uma preferência pela coordenação sobre a
subordinação.
Outro
recurso utilizado pelo autor, e que singulariza a sua obra, são os neologismos. Conceitua-se o termo, de acordo com
Domingos Paschoal Cegalla como palavra
ou expressão nova (2005, p. 607). Porém, o que se pode perceber que nesse
processo, na obra Grande Sertão: Veredas, de acordo com Ferreira é que:
os neologismos não são criados por meio de significantes completamente
novos, não se marcam como criações arbitrárias, independentes, dissociados das
palavras já existentes na língua, mas sim, resultam da combinação lógica de
palavras, para assim renovar o significante e o significado. (FERREIRA, 2006,
p. 33).
Pode-se constatar esse procedimento do autor, ainda
de acordo com os estudos de Ferreira em:
Com uso de prefixação
[...] me chamou adeparte
(reservadamene) [...] / [...]
deerrados ( pelo rumo errado) [...]
/ [...] desviveu num átimo (morreu) [...] /
[...] certa altura regrossa
( muito grossa) [...] / [...] sobredentro
de minhas ideias ( bem por
dentro) (grifos nossos).
Com uso de sufixação:
[...] assoviamzinho sutil (assovio pequeno) [...] / [...] daí quis assuntação (apurar em detalhes) [...] / [...] Essezinho, essezim desde que o
entendimento alumiou ele (diminutivos do pronome demonstrativo esse) [...]
/ [...] os usares (hábitos)
[...] / [...] Seria
velhaçal (muito envelhecido) [...] (grifos nossos).
Com uso de justaposição:
[...] não tinha almaviva de se ver (ninguém presente) [..,] / [...] Depô-depois (muito após)
[...] / [...]Diadorim se maisfez,
avançando (se adiantou) [...] / [...] que
malamal aceitei (muito mal) [...]
/ [...] pé-pubo (pé com frieira) [...] / [...] era
quase sonoite (um pouco escuro) [...] (grifos nossos).
Com uso de aglutinação
[...] adforma vinha na ignorância (a+de+forma = d forma que) [...] /
[...] baleado à traição, o maldelazento (maldito, repugnante
como se tivesse lepra) [...] / [...] nenhão
(fusão de não com nenhum) [...] / [...] não
faz vivalei em mim (não aplique a pena de morte) [...] /
[...] nãostante (não
obstante) [...] (grifos nossos).
É consenso
entre os leitores, a afirmação da dificuldade de entendimento da obra devido ao
linguajar inovador e ao exotismo dos vocábulos. Faz-se necessária uma atenção
especial no contexto da narrativa, para descobrir-se a significação de termos,
tais como:
esse menino não dura,
está no blimbilim (final da vida) [...] / [...] me aperreava os coscuvilhos
(fofoca, mexerico) [...] / [...] nimpes
nada eu não podia aceitar (reforço da negação) [...] / [...]
pirlimpim pimpão (efeito de
aliteração) [...] / [...] Diadorim me
chamou, fomos caminhando no meio da queleleia
do povo (barulheira, agitação) [...] / [...]
aquilo sucrepa (abala-se)
[...] / [...] didideia
(pensamento ruim) [...] (grifos nossos). (ROSA, 2006).
Pode-se
perceber, nessa citação, que Guimarães Rosa pretendia estimular a imaginação do
leitor, no ato da leitura. O escritor não hesitava em trocar a categoria das
palavras, desde que o efeito expressivo de cada uma delas se tornasse mais
significante em outra função gramatical.
Outra
particularidade, na obra, diz respeito à criatividade do autor quanto à escolha
dos nomes e apelidos das personagens, alguns tão estranhos quanto cômicos:
Alarico Totõe, Borromeu, Doristino, Fafafa, Fonfrêdo,
Guirigó, Jidião Guedes, Rotílio Manduca, Rosa’uarda, Sesfredo, , Sêo Vulpes,
Sidurino Suzarte, Tipote, Tuscaninho Caramé, Zé-Zim, Quelemém, Nhô Maroto,
Nhorinhá, Andalécio.(ROSA, 2006).
Deve-se
assinalar que alguns desses nomes eram comuns no interior de Minas Gerais,
principalmente aqueles que apresentavam hibridações dos nomes dos pais ou
parentes, como pode ser o caso Rosa’uarda,
Sesfredo e Quelemém, e também, pela omissão de fonemas na pronúncia como
pode ser o caso de Totõe, Nhô, Zé-Zim,
entre outros. Os topônimos escolhidos pelo
autor também eram bem singulares, como se comprova com esses exemplos retirados
da obra:
Barbaranha Cererê Velho, Chapada do Covão, Chapada-da-Siriema-Correndo,
Jalapão, Liso do Sussuarão, Os-Porcos, Sucruiú, Serra do Cafundó, Serra do
deus-me-livre, Urubu, Vereda-da-Vaca-Mansa-de-Santa-Rita, Veredas Mortas, Vila
da Pedra de Amolar, Tamanduá-Tão. (ROSA, 2006).
Certamente,
com o passar do tempo houve mudanças nesses nomes o que
mereceu um comentário de Riobaldo: “Como é que podem remover uns nomes assim?¹ Nome de lugar onde alguém já nasceu
devia de estar sagrado.” (2006,
p.42)
Muitos desses nomes, de pessoas e de lugares, reporta-se aos
arcaísmos² que, segundo Cegalla, “são falares regionais que se apresentam de um modo antiquado”
(2005, p. 80). Na obra Grande Sertão:
Veredas esses também se configuram como recursos de linguagem, utilizados pelo escritor, no processo de
reconstrução da sua
linguagem. É interessante assinalar que alguns dos termos observados, na
obra, ainda são usados por pessoas mais
idosas do interior de Minas Gerais:
[...] ia adjutorar o padre
(ajudar) [...] / [...] A vida é só
brabeza (braveza) [...] /
[...] bobeia minha (bobeira)
[...] / [...] bebedice de amor
(bebedeira) [...] / [...] fazia a mor
bem descida (maior) [...] / [...] Nanja
não queira me alembar (de forma alguma e lembrar) [...] / [...] ossoso
(ossudo) [...] / [...] uma serepente malina (serpente maligna) [...]
/ [...] a qualidade do sofrente (sofredor) [...] Oséquio feito
[...] /
[...] Tomém peço licença, sôs chefes. [...] / Assim vós prazido,
chefe. [...] / por esquipático mesmo no simples [...] / [...] por osséquio,
o senhor doutor [...] / (ROSA, 2006) – “Ossenhor utúrge, mestre, a gente
vinhemos, no graminhá... O senhor utúrge...” (ROSA, 2006, p. 385)
(grifos nossos).
¹ Mesmo nos dias atuais, ainda consta existirem nomes
diferentes, tais como esses, na região de Pará de Minas: Muquém, Cova d’Anta, Colombo do Gaia,
Pindaíba, entre outros.
²Queremos,
entretanto, ressaltar que a estranheza causada pela leitura de um texto
rosiano, nem sempre fica por conta dos neologismos e alterações no léxico.
Muitas palavras usadas são de uso corrente no ambiente a que se refere o texto,
embora estranhas ao linguajar a que está habituado o leitor. Muitas expressões criadas
pela necessidade e conveniência do usuário e também muitas expressões arcaicas
de uso comum na região, embora estranhas à maioria da população das grandes
cidades brasileiras. (Ruy
Perini 2005 Espéculo. Revista de estudios literarios. Universidad Complutense
de Madrid)
Lécia Freitas
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