sábado, 16 de janeiro de 2016

O EXEMPLO E A IMPUNIDADE

            A prática da corrupção, no Brasil é tão comum, que o assunto já se banalizou. Existem piadas que afirmam a sua ocorrência desde o inicio da colonização. Uma das características do brasileiro é não levar a vida tão a sério, encarando os problemas do dia a dia com bom humor e leveza. Até aí tudo bem, mas o humor que se atribui à questão da corrupção criou uma imagem do ato que não condiz com a sua real natureza.
            A conhecida “Lei de Gerson” ou o “jeitinho brasileiro” são conhecidos, inclusive no exterior, trazendo uma conotação negativa dos brasileiros, mas que infelizmente, são verdadeiros. Pessoas cometem ações, infrações, pequenos delitos, e corrupções, e o que é pior, não se dão conta de que estão fazendo algo errado. Na verdade, se vangloriam porque são espertas, porque passaram na frente de alguém.
            As práticas de corrupção nos grandes escalões da política e do empresariado, no Brasil são tão absurdas, grandes, e envolvem tanta gente, que a população não consegue acompanhar, dimensionar o estrago que faz, o mal que causa na vida dos brasileiros e do próprio país. Há alguns anos, antes que fosse implantada a democracia no país, já existia, e muito, a prática de corromper por dinheiro ou favores. Porém, não era noticiado. Atualmente, com o novo sistema político, parece que está mais fácil descobrir e punir os praticantes da corrupção. Isso no meio político e empresarial.
            Ao brasileiro comum que pratica atos condenáveis, nenhuma punição. Pessoas assim acreditam que se os outros fazem, posso fazer também.  Eles se espelham, no político que rouba milhões, e em qualquer um  que rouba centavos. Às vezes, nem precisa disso, rouba por graça, por se considerar com mais direito que o outro, por hábito. E fala mal de qualquer ladrão, condenando qualquer um que se descubra. Rouba, mente, engana, prejudica, mas se vê como um  cidadão do bem cumpridor de seus deveres. Então  há o exemplo e a certeza da impunidade
            Pessoas comuns, mas  que detém algum poder, político ou aquisitivo sabem que, por isso mesmo não serão delatados, nem pagarão de forma alguma por seus delitos, porque compram o silêncio de todos. Casos de pessoas que fingem estarem mal para serem atendidas primeiramente pelos médicos, que apresentam dados falsos param se cadastrarem nos programas sociais, que se dizem da raça negra e, portanto, com direito às cotas nas faculdades, sabem que ficarão impunes porque ainda que outros tenham conhecimento do fato, ninguém gosta de se envolver nesses casos.
            É bem possível que esse comportamento lamentável tenha sua origem, e agravado, com as práticas deslavadas dos corruptos, mas naturalmente que não justifica. E não se pode afirmar que as duas características citadas acima representam o brasileiro, porque não são todos assim.  São conhecidos casos de pessoas, bem humildes até,  que encontram grandes quantias de dinheiro e devolvem. E no dia a dia, sempre encontramos pessoas honestas, de bem, que têm como normas de conduta não prejudicar ninguém, mesmo desconhecidos.  

Lécia Conceição de Freitas

Escape
     A raça humana
     não pode suportar muita realidade.
     - T.S. ELIOT

 Conheço a distância
que vai entre o sonho
e a dura realidade.

 E conheço a fórmula
de amortecer o susto
e a queda do último piso.

Olhar sem crer lá fora
esse vidro que corta
e fechar, atrás de si, a porta.

 Plantar, como sempre faço,
essas flores no paredão do muro
para deslumbrarem os meus olhos.

 E, nessa lente distorcida,
em que capto a beleza,
mesmo aquela que não existe,

 ficar musgo sobre a rocha
— véu veludoso verde veludo —,
cobrindo essa faca que cega o corte.


Darcy França Denófrio, em "Ínvio lado". 


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