O
autor também surpreende ao criar verbos que atribuem outro sentido às ações, expandindo
as possibilidades denotativas das palavras e conferindo um mérito poético em
termos absolutamente insólitos, como se pode conferir em fragmentos do texto na
obra:
[...] adramado pensei em minha mãe (comovido) [...] /
[...]eles desqueriam (rejeitavam) [...] / [...]
jagunceando (atuando como jagunços) [...] / [...]
Eu mesmeava (repetia) [...] / [...]
manhãzando ali (amanhecendo) [...] / [...]
prosapeavam
(conversavam) [...] / [...] Tapejar o bando de Joca Ramiro
por atalhos ( conhecer os caminhos para conduzir) [...] (grifos nossos).
Comumente
o termo “sertão” é o que mais adquire conotação no texto. Também a cor verde
quando Riobaldo fala dos olhos de Diadorim. Outro exemplo poético está em: “o
silêncio é verde. O senhor pegue o silêncio e põe no colo. / O verde carteado
do grameal. (ROSA, 2006, p. 290-313). Outros elementos da natureza como o
vento em: “vento de não deixar se formar
orvalho [...] / [...] um punhado quente
de vento passante entre duas palmas de palmeiras (ROSA ,2006, p.26); os
animaizinhos, como os grilos e os pássaros, com suas cores e cantos, também
assumem um efeito conotativo. O autor atribui à palmeira buriti, em diversos
momentos, uma conotação especial o que demonstra o amor que tem por esse
espécime da flora. “E como cada vereda, quando beirávamos, por seu resfriado,
acenava para a gente um fino sossego sem notícia – todo buritizal e florestal:
ramagem e amar em água”. (ROSA , 1976, p. 233).
Também
em outras obras Guimarães Rosa fala com emoção dessa palmeira:
[...] os buritis faziam alteza, com
suas vassouras de flores. Só um capim de vereda, que doidava de ser verde –
verde, verde, verdeal. Sob oculto, nesses verdes, um riachinho se explicava:
com a água ciririca – “Sou riacho que nunca seca...” – de verdade, não secava. Aquele
riachinho residia tudo. (ROSA “Uma estória de amor”, do Corpo de baile, 1977,
p. 189)
Mas o buriti era tão exato de
bonito! (ROSA “Campo geral”, do Corpo de baile, 1977, p. 67).
O buriti? Um grande verde pássaro, fortes vezes. Os buritis
estacados, mas onde os ventos se semeiam. (ROSA, “Buriti”, do Corpo de baile,
1965, p. 97).
A
palavra “neblina”, em diversas situações, tem um efeito conotativo quando é
associada à personagem Diadorim. A neblina é aquilo que
embaça a visão, que não deixa ver além. Ao relembrar a figura de Diadorim,
Riobaldo a mantém como a neblina, pois, para Riobaldo, o
sentimento amoroso que nutria pelo amigo ainda é confuso. “Em Diadorim, penso
também – mas Diadorim é minha neblina” (ROSA, 2006, p. 24)
Finalizando esse
capítulo, veja-se o fragmento do texto roseano:
ah, o meu Urucuia, as águas dele são
claras certas. E ainda por ele entramos, subindo légua e meia, por isso pagamos
uma gratificação. Rios bonitos são os que correm para o norte, e os que vêm do
poente – em caminho para se encontrar com o sol. E descemos num pojo, num ponto
sem praia, onde essas altas árvores – a caraíba-de-flor-rôxa, tão urucuiana. E
o folha-larga, o aderno-preto, o pau-de-sangue; o pau-paraíba, sombroso. O
Urucúia, suas abas. E vi meus Gerais! Aquilo
nem era mais mata, era até florestas! Montamos direto, no
Olho-d’Água-das-Outras, andamos, e demos com a primeira vereda – dividindo as
chapadas – : o fla-flo de vento agarrado nos buritis, franzido no gradeal de duas folhas altas; e sassafrazal – como o
da alfazema, um cheiro que refresca; e aguadas que molham sempre. Vento que vem
de toda parte. Dando no meu corpo, aquele ar me falou em gritos de liberdade.
Mas liberdade – aposto – ainda é só alegria de um pobre caminhozinho, no dentro
do ferro de grandes prisões. Tem uma verdade que se carece de aprender, do
encoberto, e que ninguém, não ensina: o beco para a liberdade se fazer. Sou um
homem ignorante. Mas, me diga o senhor: a vida não é uma cousa terrível?
Lenga-lenga. Fomos, fomos...(ROSA, 2006, p. 306).
Nesse
fragmento é possível verificar grande parte dos elementos já citados e
analisados no presente trabalho. Observa-se a pontuação sofisticada, o
neologismo o aforismo, o arcaísmo, as
belezas naturais, a agramaticalidade, a justaposição das orações, a
metáfora e, principalmente, a poesia.
Prosseguindo
no entendimento da estruturação da linguagem poética na obra Grande Sertão: Veredas, falar-se-á no último capítulo sobre “a prosa que se reveste de poesia”. É prosa porque é linguagem. E é
poesia porque é linguagem encantada.
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