terça-feira, 17 de abril de 2018


Não se arvore em verdades particulares, em rancores sem ressonância, em credos mal entendidos, para legitimar o negativo que existe em si. Hipocrisia é feio. Eu estou como a moça do Chico: na vida.

Lécia Freitas


Faz tempo esperei sua ternura,
E seu olhar como daquele
Faz tempo já não tenho suas mãos
E seus versos me falando das coisas que gostaria
Das minhas, digo que o tempo continuasse
Como era. Sinto a nostalgia funda do que houve
E do que não houve sinto pena
Imagino o que foi, na ponta dos dedos
Meus, estão aqui. Os seus apenas imagino
Tanta coisa, não dá para inventar mais
Foram embora. A tristeza, essa ficou.



Lecia Freitas

Se tens um amor pra esquecer
Nao esqueça
Antes, procure lembrar sempre
Deixe-o dias após dia no peito
E à noite coloque-o do lado da cama
Durma com ele, sonhe com ele
Traga-o em si, onde for
Nao permita que cristalize em si
A poder da saudade
Faça-o fluído
Ate que escorra
Em todos os espaços
Nao o negue nunca
Antes, grite-o ao mundo
Faça-o sentir a força desse sentimento
Nao o sufoque dentro do coração
Nem o limite ao contorno da alma
Nao o encarcere em emoções menores
Melhor que voe livre
Treinando caminhos outros
Em própria vontade
Nem pense que poderá defini-lo
Em palavras doces ou versos dúbios
Nao o fará. Estará subjugado e tão desalentado
Enquanto esse amor será o senhor de seu tempo
E domínio de suas horas
Ao contrário, permita-lhe
Que cresça, se ele exigir
Alimente-o tanto até que farto
E enfadonho, esteja saciado
Recusando qualquer oferta
Mais que tudo, transborde-o em carinhos
Ate que se canse
E se vá por fim
para todo o sempre.

Lecia Freitas




AINDA!




Hoje é um dia importante para nós aqui em casa! É o meu aniversário. A casa está toda arrumada! Meus paninhos de renda branca enfeitam todos os móveis atestando minhas habilidades. O cheiro doce de lavanda se mistura com os aromas da cozinha: o bolo, os doces, os assados. Os filhos em volta da mesa farta, as vozes altas, alegres, um rindo das palhaçadas do outro... Eu observo e penso que devo dar graças a Deus!
Quando menina ficava me perguntando quanto tempo viveria. E vejo que vivi muito! Mas posso viver o mesmo tanto que não me darei por satisfeita. Viver é muito bom, apesar de tudo! Todavia, posso dizer que em alguns aspectos a vida foi cruel comigo. Muitas vezes vi pedaços meus se desfazerem, ficando pelo caminho. E eu tive que sobreviver sem eles. Meu coração ficou em muitas curvas. Minha alma perdeu contornos, perdeu cores. Por vezes, tive que me calar porque faltava-me a alegria para risadas escancaradas. Em outras o sorriso era fictício, enquanto o espírito se mantinha surdo. E muitas vezes faltaram-me as palavras quando a razão calava fundo, e assim, em silêncio, consegui construir muito de mim. 
Por anos a fio, neguei minha condição de mulher por acreditar que a função de mãe deve estar sempre em primeiro lugar. Por muito tempo escondi-me do mundo, em um lugar só meu. Como uma armadura diante da crueza: era preciso! E assim a vida foi passando. Isso traz uma dor doída! Embora eu tenha ânimo para recomeçar quantas vezes, constato que os pedaços que caíram deixaram marcas que não vão se curar. Ainda que os recuperasse não se encaixam mais.
Entretanto, minha vontade de vida é muito maior. A cada dia limpo essas lágrimas e me dou a todas as emoções que sinto. Percebo, todos os dias, o tempo passando como um fio e todas as minhas lembranças lá cristalizadas, como um espólio, e isso é muito.
Não acumulei bens materiais ao longo. Não foi possível e nunca fui ambiciosa. Nem vaidosa. Do batom vermelho que uso hoje, eu digo que já não encanta. Pois numa boca com tantos vincos e sem sorrisos, serve apenas como uma bandeira para mostrar que sou mulher. Ainda! 
Durante tanto tempo amei o amor ! Esperei-o em minha solidão, enquanto o escrevia em versos. Nem em sonhos prevariquei, certa de que talvez virgem ele me encontrasse. Mantive a pele em frescor de araçá e refiz a alma em cheiros de jasmim. 
Hoje, visto-me de esperas. Teço o tempo com as estações, enquanto observo as circunstâncias. Aguardo, e paro o tempo porque sei que um dia ele virá. Virá e sei que me encontrará menina! 
Que me venham os próximos vinte anos, ou minutos, ou instantes. Eu os viverei com a mesma intensidade e gratidão!

Lécia Freitas


Todos os dias a vida da gente produz histórias. E as recontamos seja para lembrar ou para, ilusoriamente, retardar nosso tempo aqui. Às vezes rimos de nós mesmos, ou choramos quando há uma dor, uma tristeza. Há histórias, no entanto, que por mais as enterremos, sempre estão à flor de nosso espírito trazendo aquilo que num instante nos fez mais vivos, mais latentes. E que continuam a reger nossas vidas, mesmo sendo uma emoção tão funda. Justamente por isso! Não as contamos. Guardamos somente pra nós, como um presente querido, particular, que se quer esconder de todos, para que não se estrague. Para que não se contamine com o cotidiano. E que não seja atravessada por outras histórias, outros atores, permanecendo em sua essência. E que o prazer de lembrá-la deve ser só nosso. Ou como algo tão penoso que se deve esconder para machucar menos. Se fosse possível! Histórias assim são as que nos moldaram, nos forjaram, e entao as carregamos, ainda que seja doloroso, ainda que a contra-gosto. Fazem parte de nós como um terceiro membro, como um espinho a fincar, marcando indelével, nossas vidas.

Lecia Freitas




Quando o amor delineia uma alma, e não se lhe encontra ressonância em outra alma, a poesia se apresenta como um consolo, um alento. É preciso então percebê-la em todas as coisas. É preciso conceder-lhe o lugar de honra que merece. É preciso permitir-lhe o trânsito livre entre o espírito e todas as fímbrias do coração. É preciso abrir-lhe o caminho para que escorra impregnando o mundo afora.

Lécia Freitas







Diante da realidade em que vivemos, é preciso acreditar que todos os dias têm início e fim, e que a vida pode recomeçar em todos eles; que é permitido sonhar a cada dia, e que os sonhos, mesmos os mais queridos, são possíveis; que a nós não é possivel sair da terra, mas que em nossa mente temos o além-céu como limite; e que somos, sim, poderosos, e que podemos vencer até nós mesmos, desde que seja com o coração.

Lécia Freitas





Saudade não é apenas um sentimento como outro qualquer. É a confluência de muitos outros sentimentos. É a não existência, e no paradoxo, enquanto mata, faz sentir tudo que a vida oferece em circunstâncias que não se quer lembrar ; tudo que a razão insiste para que se esqueça, quando o coração traz em si. É um estado de coisas em que há cheiro da ausência, da falta, do fim. Do colorido sem cor, do gosto sem sal, da vida morta. É a antecipação do aniquilamento.É procurar em vão algo que se quer, que se traz em torno da alma, mas do qual não há pertencimento. Nunca mais! Saudade é visitar um lugar que já foi seu, é perceber o vão entre os braços que se erguem inúteis ante o abrigo que não existe mais. É perder a métafora da vida.


Lécia Freitas



Do amor que se apresentou trazendo cheiros de volúpia e jasmim, com cores e gosto de gravatá, ainda permanece à força da enormidade, a poder da saudade. Mesmo que esfarelando em pó nos fundos das gavetas, nos escaninhos revisitados, nas fotos amareladas, esgarçadas, rotas, por tanto, em mãos. Enquanto me olhas, mudo, eu percebo, entre os vincos do papel velho e no sorriso que já não diz nada, as lembranças rodopiando à minha volta, as nossas vozes gritando que não adianta. Que sempre, em algum lugar, vão estar espreitando, feito espinhos, os cheiro, as cores, o gosto, a vontade...

Lécia Freitas






O tempo mitiga dores, é fato. Mas vai craquelando a pele e deixando rugas na alma. É preciso buscar sonhos, nem que seja um sonhozinho e ir tirando essas marcas. Pintar um sorriso na cara e fingir que ri para a vida. As vezes é possível visitar a memória e procurar um alento. Ou é urgente esquecer de vez. Ainda restam em mim resquícios da primavera. De você, a vida inteira.

Lecia Freitas




Como é possível!? Eu deixei em suas mãos todos os sonhos meus, eu te amei tanto, e você nem percebeu!

Lécia Freitas






Você pode ir para Paris ou Roma, ou ainda Atenas, ou qualquer outro lugar, mas nenhum banco de praça será igual àquele da pracinha perto de casa. E mesmo sentado naqueles, a saudade desse, as lembrancas, serão muito maiores, mais doídas. A sua casa é onde seu coração está .

Lecia Freitas




O homem foi capaz de desenvolver dispositivos eletrônicos que o coloca em qualquer lugar do mundo. Isso que dizer que o homem consegue dominar o mundo das máquinas. Por isso, o homem se sente um deus. Entretanto, o homem ainda não conseguiu desenvolver sentimentos que o leve a amar o seu semelhante. A aceitar que o ser humano é múltiplo, diferente, e por isso mesmo maravilhoso . O homem ainda não saiu do próprio quadrado. O homem consegue ser um monstro odioso.

Lecia Freitas



Existem sentimentos dentro de nós que realmente não se deixam apagar. Não nos abandonam a despeito de nossa vontade. Podem perder a força, transformar, mudar de nome, mas não vão embora, nem acabam de vez. Como uma cicatriz que atesta um sofrimento, fica ali. O sujeito camufla, esconde, deixa a pele que se renova ir tomando conta, no entanto, bastam as circunstâncias que ele aparece. Tem consciência do poder, da força e por isso, trava o embate silencioso. Imagina que pode ser mais forte e então aprisiona, esconde, amordaça todas as vozes, faz tudo que se deve fazer. Entretanto, volta e meia, como a ponta de um espinho, desses do matinho na beira da horta, ele finca. Bastam cheiros, sons, alguma tarde mais outonada, e eles vêm. Porque era forte, era verdadeiro. E tudo que queria era existir. Você permitiu, alimentou, cuidou com carinho. Alguém disse que nada se perde. Então! O sujeito terá outros sentimentos! Tão forte quanto! Será feliz de outras formas, viverá por outro. Não mais irá chorar por aquilo, não perderá nenhuma hora, nem deixará de viver nenhuma situação por ele. Cantará outras músicas para o novo amor. Nas tardes de sábado, enfeitará a casa com paninhos de renda e outros cheiros. Cuidará de pudins com outra doçura , biscoitos de polvilho, e no domingo (tão bom), quiabo com angu. Tudo para agradar o novo amor. Contudo, aquele permanecerá ali na ruga da pele, na quina do sorriso, na dobra do lençol, no canto da casa, no recôndito do coração, de tudo.

Lécia Freitas



Aqui, nessa parte parte do bairro, quase não se ouve a civilização. De vez em quando o barulho dos aviões invade meu silêncio. Mas são apenas uns teco-tecos convidando para viajar. Os fiéis já encerraram seus hinos da missa de domingo. A claridade morna atesta, pela quina da porta, que o verão está indo lá pra cima e o sol amarelo me traz o suave do outono. De vivaz, apenas as risadas cristalinas da criancinha ao lado. Às vezes, a voz forte do pai. Pelo sossego, acho que a cachorrada está cochilando para compensar a noite em vigília, seu ofício. Eu olho em volta e percebo todas as coisas em seus lugares. Tudo acontece naturalmente. Eu desejo o bem para todos. Paro e penso: apesar do mundo lá fora, de tanta coisa, aqui há paz. E eu estou feliz!

Lecia Freitas




Naquele tempo não havia essa fartura de hoje. Nao havia supermercados, nem verdurões. Assim como era raro se falar em dinheiro. Não era como hoje, que qualquer vivente pode possuir uma nota. Pelo menos, não naquele tempo e naquele lugar esquecido do mundo. Minha vó, antes do almoço, dava uma volta no quintal, no meio das plantações. Sempre voltava com alguma coisa amparada no avental que juntava as pontas. Às vezes, era broto de abóbora. Ela refogava e servia com angu. Manjar fino conhecido nos fundões de Minas.

Lecia Freitas



As coisas ruins que existem são para mostrar como não devemos fazer. Pessoas nos ensinam continuamente como agir para evoluirmos. Aprenda as lições. Pense que o mundo é maravilhoso, também porque nele moram as pessoas que amamos e aquelas que são amadas pelos outros!

Lecia Freitas



O Bem e o Mal estão sempre em constante equilíbrio. Nunca se sobrepõem. Ao entrar em sintonia com um ou o outro, trazemos-los para nosso interior e consequentemente para nossa vida. Se não os tirarmos vamos refleti-los ao mundo e assim nosso mundo particular sofrerá as consequências, seja em fatos ou pessoas. Portanto, sintonize sempre com o melhor. Ao encontrar um ofensor, não retribua, talvez você tenha sido escolhido, qual Arimateia, a ajudá-lo, ainda que por um momento. E não pense que o semelhante merece o sofrimento. Todos estamos em um processo e você não sabe em que ponto está o seu. Seja misericordioso! Nunca se sinta superior por perceber essas coisas. Seja humilde e grato! Tenha em mente: a vida é um espelho em constantes voltas. 

Lécia Freitas



É certo que fui muito mulher na minha luta pela vida. Fui muito mulher quando trouxe à vida meus quatro filhos. Sou muito mulher quando me deixo de lado para colocá-los em primeiro lugar. Sou muito mulher quando junto minha voz à de milhões por respeito, por um mundo melhor. No entanto, muito mais mulher sou quando me dispo de todas elas, e ternamente, tenho em meus braços o meu amor.


Lecia Freitas