Dos papéis que desempenhei
na minha vida – e foram muitos – o mais importante, com certeza, foi o papel de
mãe. Porque além de formar o novo ser, a mãe é responsável pela disseminação de
um amor não dimensionável. E os homens estão precisando de amor. O mundo
precisa de amor.
Naturalmente que os pais
exercem um papel tão importante quanto, e também são capazes de tanto amor, e
de responsabilidade. Mas a mãe tem a linguagem da ternura e afeição que não é
íntima aos homens. E todos nós precisamos dessa linguagem em meio a este caos. Talvez
por ter feito também o papel de pai, que na época era necessário, eu não tenha
utilizado esta linguagem. E fui cobrada por isso. Então aproveito e peço
desculpas pela minha dureza. Pelas vezes que não ofereci um colo. Em que não percebi o pedido mudo do
abraço. Pelas vezes que não me comovi diante de lágrimas, algumas até engolidas
em silêncio. A meu favor digo que, por vezes, era eu a despedaçada. Era eu que
pedia o abraço, o colo. Fomos os quatro forjados na crueza da vida, mas
sobrevivemos. É claro que, por vezes, tivemos que colar pedaços, remendar
corações. E sempre que agimos assim ficam faltando partes ou repuxadas nas
costuras, que doem para todo sempre. Mas sobrevivemos.
Sempre tive consciência de
que esta é a minha vida e tinha que passar por ela. Nunca me revoltei pelas
dificuldades. Reconheço com gratidão as oportunidades, e o quanto me foi dado,
as muitas ajudas recebidas até de desconhecidos. E aquelas pessoinhas que
vieram para mim, são os esteios que a vida me deu, como compensação. Ainda bem
pequenos compreendiam a situação e ajudavam. Das lembranças que tenho, uma me
impressiona: meus filhos nunca me pediram nada. Nenhum brinquedo, nem uma bala,
nada. Sabiam da impossibilidade. Não havia choro, lamúrias, nada. Todas as
nossas forças eram direcionadas para a sobrevivência. Certamente, isso foi
fundamental para a formação de cada um.
Coração da gente é feito
floresta virgem que deve ser tratada com o maior respeito pela sua importância.
Deve ser observada pela sua beleza, mas pela sua fragilidade não deve ser tocada.
Se o fizer, faça com todo cuidado e com muito amor. Entretanto, uma mãe
conhece, a fundo, o coração de cada filho. A mãe sabe o que estão sentindo.
Entretanto, nos mantemos à distância, por respeito à individualidade de cada
um. Têm que aprender. É preciso saber esperar a procura. Quando acontece vamos
tentar mostrar o caminho. Porque não somos perfeitas. Apesar do amor, também
erramos. Meu maior erro foi a dureza diante da vida, justamente o medo de errar,
de não conseguir. Eu fazia o papel de homem, e não percebia minha filha, tão
mocinha ao meu redor. Tão pequena, tão frágil, porém o esteio mais forte. Nos
piores momentos de minha vida ela estava ali, sem lágrimas, em silêncio, amparando-me.
Além do reconhecimento, há uma admiração, um orgulho pelo que ela é, a mulher
linda em que se transformou, por dentro e por fora. Estes sentimentos, óbvio,
se estendem aos três meninos, pessoas de bem, que respeitam o outro. Meus
filhos, minha contribuição à humanidade! Estão sempre por perto me ajudando. Nestes
tempos sombrios em que há dor, manifesta, e vem tardia, mas como tsunami, eles
vêm com aquele carinho e preocupação que nunca recebi de ninguém. Minha filha
me cerca ensinado essas coisas de mulher que não tive oportunidade de ter. Quem
me conhece sabe que fiquei vinte anos sem usar uma roupa bonita, sem passar um
batom que fosse. O batom para mim é um símbolo: passo até para dormir. E ela,
hoje, presta atenção nessas coisas, fiscalizando, ensinando. E ouve minhas
queixas sobre desamores, incompreensões
e rejeições, das relações de hoje, do mundo de agora. Esse mundo em que não me
encaixo.
Acredito que ainda sou
necessária a eles porque ainda há armazenado todo aquele sentimento que não
cabia naquela época. Alguma coisa teima
em permanecer assombrando e temos que nos preteger uns aos outros. No entanto,
sei que um dia não serei mais necessária e tem que ser assim. Somente quando
isso acontecer terei findado o meu papel mais importante. Mas estarei aqui na
retaguarda. Assim como disse o Mestre Gibran: “nossos filhos são filhos da
nossa ânsia pela vida.” Somos o arco que retesa quando o Arqueiro lança a
flecha no infinito. Sejamos o melhor arco.
Lécia Freitas
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