quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

CORAGEM DE VIVER


Os dias vão passando, felizes para alguns, mas horrorosos quando se percebe a ação do tempo, quando ele escorre e diminue as possibilidade de se viver um estado de coisas.
A cada dia vemos novas rugas se acumulando como a moçoroca na terra que vai destruindo tudo, nesse caso o tempo. Que não acumula nada, mas que, cruelmente vai nos enrijecendo, apagando a alegria por se perceber tão claramente a impotência, a solidão.
Envelhecer é só para os fortes. Nos dois sentidos. A alternativa é pior, é claro. No entanto, queremos ser felizes o tempo todo. E como a ação dele nos nega! Busca-se compensações. Tolas compensações. O que existe mesmo são conformações. E um agarramento com as duas mãos ao restinho de vida.
Há sol, o dia está lindo, e há muitos pássaros no meu quintal. Eu ouço o som do vento no capim aqui no fundo de minha casa. Ele faz um barulho assim shshshshs, e é mágico. Também sinto a ação do vento nos sinos que tenho na varanda. Tudo isso transmite tranquilidade. Porém o vento passando me mostra, claramente, o tempo que se vai. E isso me enche de tristeza. Porque há uma muda  espera de algo que não houve. Que não acontecerá.
 A minha vida não foi em vão, realizei tantas coisas. Mas ficaram faltando outras. Que não dependem de mim. Que eu lutei para conseguir, ainda luto. Mas não dependem de mim. Então se diz, numa tola tentativa, que devemos ser felizes com o que temos. Mas eu tenho para mim, na realidade, que isso não é ser feliz. É uma compensação. Mais que isso, é um engodo.
Não podemos dizer que felicidade é inquietação, mas também não pode ser uma paz de espírito total, como uma felicidadezinha maneira como diz o poeta. Felicidade mesmo é aquilo que remexe tudo, tira tudo do lugar. Que sacode a alma da gente eliminando mofos e restos de sentimentos embolorados. Que despenteia cabelos, amassa roupas, e cola um sorriso na boca da gente. Que faz aparecer um cheiro na pele não se sabe de onde e planta uma alegria desconhecida em todos os poros. E a gente dança feliz. E como na música a gente solta foguetes quando sabe que o motivo dessa felicidade toda já vem vindo. Enfeitamos nossa casa com rendas e flores de bonina e enchemos o céu de balão esperando nosso amor. Tudo que queremos é um amor. Não há nenhuma atividade física, ou espiritual, nenhuma reunião de amigos, de aulas de artesanato, passeios em Aparecida ou Caldas Novas que vá substiutir a alegria de se ver no olhar do amado.
Muitas vezes perdemos oportunidades de viver isso por preguiça de enfrentar situações novas. É preferível a tranquilidade da acomodação do que arriscar um sentimento que pode dar errado. Mas aí não se vive. E o tempo passa, e a pessoa vai embora  sem saber, sem viver tanta coisa. Por comodismo e por medo. Fazer o quê? Algumas pessoas não se importam de ter uma vidinha menor, de somenos. É preciso coragem para ser feliz. É preciso coragem para rasgar a alma, tirar o coração lá de dentro e entregar a outro ser. É preciso coragem para repartir o amor que se sente por si mesmo.
Mais que tudo é preciso coragem para viver, e admitir que o tempo está passando depressa e estamos indo embora. Às vezes, a vida oferece a alguns poucos a oportunidade de um amor, já no fim. Numa alegria merecida, isso sim como uma compensação, diante do que se passou de triste na vida. A vida oferece um sentimento como um unguento a sarar dores e trazer alívio e renovação em restos de vidas insossas e solitárias. É preciso agarrar com as duas mãos, com o corpo todo, com a alma, este sentimento. E ser grato por isso, porque é um mimo que a vida oferece. A graça de viver um novo sentimento, sim, vai trazer uma felicidade genuína e a certeza de que vale apena viver mais um pouco. E aí o que importa mesmo é viver o momento presente. E já não importa a ação do tempo.


Lécia Freitas


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