Os dias
vão passando, felizes para alguns, mas horrorosos quando se percebe a ação do
tempo, quando ele escorre e diminue as possibilidade de se viver um estado de
coisas.
A
cada dia vemos novas rugas se acumulando como a moçoroca na terra que vai
destruindo tudo, nesse caso o tempo. Que não acumula nada, mas que, cruelmente
vai nos enrijecendo, apagando a alegria por se perceber tão claramente a impotência,
a solidão.
Envelhecer
é só para os fortes. Nos dois sentidos. A alternativa é pior, é claro. No
entanto, queremos ser felizes o tempo todo. E como a ação dele nos nega! Busca-se
compensações. Tolas compensações. O que existe mesmo são conformações. E um
agarramento com as duas mãos ao restinho de vida.
Há
sol, o dia está lindo, e há muitos pássaros no meu quintal. Eu ouço o som do
vento no capim aqui no fundo de minha casa. Ele faz um barulho assim shshshshs,
e é mágico. Também sinto a ação do vento nos sinos que tenho na varanda. Tudo
isso transmite tranquilidade. Porém o vento passando me mostra, claramente, o
tempo que se vai. E isso me enche de tristeza. Porque há uma muda espera de algo que não houve. Que não acontecerá.
A minha vida não foi em vão, realizei tantas coisas.
Mas ficaram faltando outras. Que não dependem de mim. Que eu lutei para
conseguir, ainda luto. Mas não dependem de mim. Então se diz, numa tola
tentativa, que devemos ser felizes com o que temos. Mas eu tenho para mim, na
realidade, que isso não é ser feliz. É uma compensação. Mais que isso, é um
engodo.
Não
podemos dizer que felicidade é inquietação, mas também não pode ser uma paz de
espírito total, como uma felicidadezinha maneira como diz o poeta. Felicidade
mesmo é aquilo que remexe tudo, tira tudo do lugar. Que sacode a alma da gente
eliminando mofos e restos de sentimentos embolorados. Que despenteia cabelos,
amassa roupas, e cola um sorriso na boca da gente. Que faz aparecer um cheiro
na pele não se sabe de onde e planta uma alegria desconhecida em todos os poros.
E a gente dança feliz. E como na música a gente solta foguetes quando sabe que
o motivo dessa felicidade toda já vem vindo. Enfeitamos nossa casa com rendas e
flores de bonina e enchemos o céu de balão esperando nosso amor. Tudo que
queremos é um amor. Não há nenhuma atividade física, ou espiritual, nenhuma
reunião de amigos, de aulas de artesanato, passeios em Aparecida ou Caldas
Novas que vá substiutir a alegria de se ver no olhar do amado.
Muitas
vezes perdemos oportunidades de viver isso por preguiça de enfrentar situações
novas. É preferível a tranquilidade da acomodação do que arriscar um sentimento
que pode dar errado. Mas aí não se vive. E o tempo passa, e a pessoa vai
embora sem saber, sem viver tanta coisa.
Por comodismo e por medo. Fazer o quê? Algumas pessoas não se importam de ter
uma vidinha menor, de somenos. É preciso coragem para ser feliz. É preciso
coragem para rasgar a alma, tirar o coração lá de dentro e entregar a outro
ser. É preciso coragem para repartir o amor que se sente por si mesmo.
Mais
que tudo é preciso coragem para viver, e admitir que o tempo está passando
depressa e estamos indo embora. Às vezes, a vida oferece a alguns poucos a
oportunidade de um amor, já no fim. Numa alegria merecida, isso sim como uma
compensação, diante do que se passou de triste na vida. A vida oferece um
sentimento como um unguento a sarar dores e trazer alívio e renovação em restos
de vidas insossas e solitárias. É preciso agarrar com as duas mãos, com o corpo
todo, com a alma, este sentimento. E ser grato por isso, porque é um mimo que a
vida oferece. A graça de viver um novo sentimento, sim, vai trazer uma
felicidade genuína e a certeza de que vale apena viver mais um pouco. E aí o
que importa mesmo é viver o momento presente. E já não importa a ação do tempo.
Lécia
Freitas
Nenhum comentário:
Postar um comentário