INTRODUÇÃO
Desde o seu lançamento,
o livro Grande Sertão: Veredas tem
sido objeto de estudo não só por ter se tornado um clássico da Literatura
Brasileira, mas também pela linguagem inovadora, quase hermética, pela temática
que transforma a obra em universal e pela composição narrativa em que predomina
a oralidade. No livro, Riobaldo, o narrador-personagem, conta a sua vida a um
senhor que não se manifesta, perceptível, apenas pelas marcas que a personagem
deixa em sua fala.
Durante os estudos realizados
para a elaboração da presente pesquisa, foi constatado o quanto a história,
escrita por João Guimarães Rosa, tem fascinado e instigado os apaixonados pela
Literatura e pela Língua Portuguesa. Assim, são muitas as tentativas de desvendar
os sentimentos que guiaram Riobaldo nos caminhos percorridos durante a sua travessia e como ele os
expressou.
Não é objetivo nessa
pesquisa elucidar os diversos temas apresentados pelo autor. De uma
profundidade impressionante, a obra Grande
Sertão: Vereda possui como pano de fundo um momento histórico social onde o
autor apresenta o sertão em um plano mítico-filosófico e suas personagens
refiguram o mundo em seus sentimentos e ações, de onde advém a universalidade
da obra. Em alguns momentos, entretanto, para um melhor entendimento, será
necessário um desvio do foco principal da pesquisa, que é a linguagem poética
na obra.
O livro apresenta uma
intensa fala poética em que o autor retrata o Amor como um dos temas
universais, para isso, recria a linguagem, expressando esse sentimento envolto
em um texto que se destaca pela riqueza de sua literariedade. Guimarães Rosa
compõe esse amor de um jeito forte, profundo e ao mesmo tempo terno,
doce, escrevendo prosa como se fizesse poesia:
gostava de
Diadorim, dum jeito condenado; nem pensava mais que gostava, mas daí sabia que
já gostava em sempre. (Rosa, 2006, p.94). Mas eu gostava dele, dia mais dia
mais gostava. Diga o senhor: como um feitiço? Isso. Feito coisa-feita. Era ele
estar perto de mim, e nada me faltava. Era ele fechar a cara e estar tristonho,
e eu perdia meu sossego. Era ele estar por longe, e eu só nele pensava. (ROSA, 2006, p. 146).
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A análise da linguagem poderia ser feita a partir de qualquer
um dos vários elementos estruturais e poéticos da obra. No entanto, a escolha
pela expressividade do amor entre os personagens principais se deu pela
hipótese de que esse seja o tema principal do livro. Isso porque, tão logo ocorre a morte de Diadorim, Riobaldo
encerra a passagem da seguinte forma:
e aquela
era a hora do mais tarde. O céu vem abaixando. Narrei ao senhor. No que narrei,
o senhor talvez ache até mais do que eu, a minha verdade. Fim do que foi.
Aqui a
estória se acabou.
Aqui, a
estória acabada.
Aqui a
estória acaba. (ROSA,
2006 p.600)
Chama
atenção a maneira como o autor trabalha a linguagem relacionada ao afeto. Além
disso, compreende-se que não seria cabível em uma história de jagunços,
entremeada de casos baseados na violência reinante no mundo do sertão e em que
se questiona a existência do Demônio, a utilização de uma linguagem tão poética.
Para apresentar as suas personagens, em um mundo desprovido de ternura – o sertão – e em que as ações e acontecimentos são próprias desse contexto violento,
bastaria uma linguagem prosaica romanesca como tantas já escritas.
No
entanto, Guimarães Rosa, como um artista, cria uma linguagem singular em que
predomina a poesia através dos muitos recursos utilizados. Entende-se que essa
poesia somente tem sentido por se tratar de uma obra que apresenta o amor conduzindo as ações do protagonista e mais
tarde suas reflexões dentro da narração
de sua vida.
Deve-se
ressaltar que essa obra é de uma riqueza inesgotável apresentando inúmeras
possibilidades de estudo. Depreende-se que, em seu enredo, nada é casual,
encontrando-se engendrados, sutilmente, os contextos pretendidos pelo autor e
em seu discurso os muitos fios dialógicos de que fala Mikhail Bakhtin:
o enunciado existente, surgido de
maneira significativa num determinado momento social e histórico, não pode
deixar de tocar os milhares de fios dialógicos existentes, tecidos pela
consciência ideológica em torno de um dado objeto de enunciação, não pode
deixar de ser participante ativo do diálogo social. (BAKHTIN, 2002, p. 86).
O que se percebe,
ao longo da leitura do romance em estudo, é que Riobaldo, ao contar a sua
história e reviver os acontecimentos entremeados de profundas reflexões
presentes nos aforismos, quer entender
tudo o que viveu e, por vezes,
justificar suas ações. Contudo, muito
mais que isso, parece que ele quer, na verdade, falar do amor intenso que
sentiu pelo companheiro de armas, Diadorim, como uma catarse, já que não pode
viver esse sentimento que considerava proibido, acreditando tratar-se de um
homem. Com a morte de Diadorim e a
revelação de sua
verdadeira identidade, termina a saga de Riobaldo, uma vez que ele se tornara
jagunço somente para permanecer ao lado do seu amor:
e desde que ele apareceu, moço e
igual no portal, eu não podia mais, por meu próprio querer, ir me separar da
companhia dele, por lei nenhuma; podia? O que entendi em mim: direito como se,
no reencontrando àquela hora aquele Menino-Moço, eu tivesse acertado de
encontrar, para o todo sempre, as regências de uma alguma a minha família. Sem
peso e sem paz, sei, sim. Mas, assim como sendo, o amor podia vir mandado do Dê?
Desminto. (ROSA, 2006 p.109).
Após a morte de
Diadorim, Riobaldo abandona a vida de jagunço, casa-se com Otacília, o amor de
sossego, e torna-se um fazendeiro. Ao finalizar a própria estória, ele já não
utiliza a linguagem tão decantada, poética. Em seu devir, ao final, é um homem
comum. O que resta é a saudade, enorme, que ele confessa:
por esses longes eu passei, com
pessoa minha do meu lado, a gente se querendo bem. O senhor sabe? Já tenteou
sofrido o ar que é de saudade? Diz-se que tem saudade de ideia e de coração... (ROSA,
2006, p. 27).
Além da paixão pelo texto literário, a escolha do tema voltado para a utilização da linguagem poética na obra
Grande Sertão: Veredas, para
expressar a relação de amor entre Riobaldo e Diadorim, surgiu após a leitura e
análise do livro para a realização de um trabalho de Literatura
Brasileira. Na ocasião, foi observada a
dificuldade de compreensão da obra devido ao quase hermetismo e à originalidade
da linguagem. A constatação da grandiosidade da obra, já comentada por diversos
estudiosos, aliou-se a essa observação. Esse estudo,
portanto, pretende investigar se a linguagem utilizada pelo autor é
configurada como um ícone
essencial para a estruturação da
temática lírico-amorosa.
O presente estudo justifica-se por analisar a
linguagem poética utilizada pelo autor para enaltecer o amor dos protagonistas
e torna-se relevante no sentido de contribuir, para o aprofundamento dos
estudos sobre a obra. Por meio da pesquisa, tenciona-se um entendimento da
estilística do autor com a utilização da linguagem poética na construção do
lirismo amoroso, na estruturação da obra.
A
pesquisa teve como objetivo geral uma análise da exploração da linguagem por Guimarães
Rosa em Grande Sertão : Veredas na
abordagem lírico-amorosa. Para isso,
especificamente, realizou-se uma análise da estruturação da linguagem poética
da obra. Nesse sentido, foi necessário compreender os elementos da narrativa e
identificar os recursos de linguagem explorados pelo autor.
Após essa etapa, foi possível apresentar a
plurissignificação roseana no processo
de reinvenção da língua e ressaltar a prosa revestida de poesia que expande as
possibilidades denotativas da palavra.
O presente trabalho está estruturado de forma a apresentar, na
seção inicial uma introdução que permita
identificar o tema e sua problematização, os objetivos do trabalho e a sua
estruturação.
A
segunda seção apresenta um resumo da
obra Grande Sertão: Veredas, da
biografia do autor e do contexto histórico em que ela foi escrita. Além disso,
apresenta, também, uma análise sobre o
que se considera o fio condutor da mesma obra.
A
terceira seção trata das perspectivas
teóricas onde são reveladas as obras que foram estudadas para o
embasamento teórico na elaboração da presente pesquisa. Nessa
seção, apresentou-se uma breve explanação sobre as teorias de Saussurre. Essa
introdução tornou-se necessária para um melhor aproveitamento dos estudos sobre
a linguagem, que é o foco principal da pesquisa. Nesse sentido, elaborou-se uma
concisa conceituação acerca do assunto.
A
quarta seção contempla a metodologia utilizada para a elaboração do presente
trabalho
Em
seguida, na quinta seção, analisou-se a
linguagem da obra, a estrutura da linguagem poética e como ela se mostra em Grande
Sertão : Veredas.
Assinala-se que a metáfora, como recurso de linguagem, foi analisada nessa
parte por destacar-se como elemento poético na obra em estudo. Prosseguindo , há uma análise dos elementos da narrativa e como
eles se organizam em Grande Sertão : Veredas. Essa abordagem torna-se
relevante ao considerar-se que esses elementos destacam-se no aspecto poético
em estudo, uma vez que o autor faz uso deles
de uma forma que foge à tradicional, notadamente, com o intuito de
singularizar a obra. Finalizando a seção, mostram-se os recursos de linguagem
utilizados pelo autor na composição da obra sendo de extrema importância na
estruturação da linguagem poética em que a obra, em estudo, se configura.
A
sexta seção exibe a prosa revestida em poesia em Grande
Sertão : Veredas,
por considerar-se ser essa forma a mais expressiva e condizente para a
confirmação do tema proposto para o presente trabalho.
Por
fim, são apresentadas, na sétima seção, as conclusões obtidas no desenvolvimento
da pesquisa, considerações sobre o tema e as possíveis contribuições para futuros trabalhos sobre a obra.
Lécia Freitas
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