sexta-feira, 11 de janeiro de 2019


Todos os dias eu cumpro um ritual de vida, como se isso a tornasse mais nítida, mais real. Eu olho a janela, além da janela. Hoje, eu vi a chuva, caía mansa, quase sem molhar. Ao longe, um aglomerado de árvores deixava sombras na névoa, como aquelas paisagens européias de filmes de terror. Mas ali, daquele jeito, estava bonito. Alguma coisa lembrava Natal, a alegria triste do Natal, ainda mais agora nesses tempos de ódio, a magia de tudo. Nunca mais teremos Natal. Não como os de antigamente.
Eu vi os pardais! Não se importavam com a chuva. Bailavam soltando pios e dando rasantes. Fazendo-me inveja. Tolinhos, eu voo muito mais que isso! Eu vi no canto do quintal o mato que foi arrancado ontem. Ainda não murchou, mesmo solto da terra. Decerto, à noite, as raízes se esgueiraram buscando vida. Deles eu tive inveja, pela ânsia de vida. Vão continuar tentando enquanto a chuva persistir. A terra e a água. Dois elementos de vida, se um lhes falta, lança-se à busca do outro. Somente a volta do sol irá lhes tirar a esperança, num paradoxo absurdo.
Eu vi, por último (por último não! Tanto ainda a ser visto num quadrado de vida no meu quintal... as miudezas da vida! O importante!) as flores da Maria-sem-vergonha, tombadas de bêbadas pela chuva. Tão singelas em seu traje de gala! Brancas, puras, contrastando com a lama em redor. Associação!
Lécia Freitas


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