O PROCESSO: o que é
Diante de uma ação que requer uma penalidade é preciso
que haja um processo. É inconcebível a aplicação de uma pena sem o processo.
Entende-se, então, que o processo é o instrumento que de acordo com a
Constituição Federal, fundamenta a função jurisdicional do juiz. Os ditames da
Constituição asseguram a plenitude de defesa, a partir de percurso já disposto
em lei, observado por um juiz, atendendo ao princípio da dignidade humana.
Todo processo penal passa antes pelo
inquérito policial, em que se busca a base para a propositura penal, ou seja, a
busca de provas sobre a autoria e materialidade do crime. Ao final desse
processo, haverá a aplicação da pena ao infrator da norma.
Alguns autores afirmam que essa
fase, o inquérito, pode se firmar contra o próprio acusado, uma vez que ele não
pode exercer o contraditório em relação às provas existentes contra si, ainda
que seja reconhecido como um instrumento que nega acusações infundadas.
O livro O Processo, de Kafka, traz
hoje uma releitura urgente diante da realidade do país e dos meandros, que se
sabe existir em circunstâncias nas quais seria mister a observação dos
princípios, que deveriam ter sido transferidos do drama relatado.
A corrupção do sistema que se
escancara no cotidiano em todas as esferas, a ineficiência das instituições
corroídas pela ambição, por uma visão partidária e em causa própria, provoca em
parte da sociedade o sentimento da inevitabilidade, a incredulidade até diante
de certos acontecimentos e posturas.
Num correlato com o livro em
análise, pode-se dizer que há uma desesperança das pessoas, justamente porque
percebem o erro, a ignomínia. Nesse momento, o que há a ser feito, antes de se
pegar em armas, ainda que fictícias, é voltar-se para dentro de si mesmo e
buscar o que legitima todas as ações humanas: a verdade.
No livro de Kafka é perceptível o
Estado autoritário e a cumplicidade do Direito. Sendo assim, em um estudo, o
drama Kafkiano é analisado a partir dos
princípios processuais.
A OBRA
O
Processo é um romance, escrito por Franz Kafka, e narra a história de um
bancário, Josef K., processado sem saber o motivo.
K.
trabalhava num banco e ocupava um
cargo de muita responsabilidade. Desempenhava sua função com dedicação, o que o
levou, em pouco tempo, a se destacar na empresa, pode-se dizer, portanto, que
seu perfil era de um funcionário exemplar.
Sua história começa quando, na manhã
em que completava 30 anos de vida, K. foi detido em seu próprio quarto por dois
guardas. Esses guardas tomaram o café
que deveria ter sido dele, e logo após afirmam que isso seria um suborno. A
partir deste momento K. é detido sem ter praticado nenhum delito.
Inicialmente, ele imaginou ser uma brincadeira de seus colegas de banco, pois
não conseguia encontrar uma explicação para o que estava acontecendo.
K.
acreditava que todo o mal entendido seria esclarecido, uma vez que não tinha
nada a esconder. Ao ser chamado para um
interrogatório viu a oportunidade que precisava para se inteirar dos
acontecimentos, no entanto, enganava-se.
O inspetor era um homem agressivo e rude
que o ameaçava e fazia chantagens. Ainda assim, K. exigia esclarecimentos, porém o inspetor e os guardas não sabiam porque ele fora detido.
Não há indícios na narrativa, que
indique o autor da delação e nem qual seria a denúncia que o levava à detenção.
A personagem de Kafka luta para descobrir respostas para esses fatos e qual o
embasamento na lei para tal. Com o tempo contrata um advogado, confiante que encontraria respostas e também uma solução
para o seu caso, mas logo o dispensou, pois percebeu desinteresse por parte
desse.
Depois de um tempo, tentou entrar
em contato com o judiciário, para fazer
a própria defesa, entretanto, constatou
a existência de muitos outros processos, sendo que o seu seria apenas mais um,
esperando para ser visto. Para ele, todo o processo não parecia verdadeiro, os
acusadores e as testemunhas tinham atitudes duvidosas e absurdas.
Percebe-se, e K. também percebeu,
que a presença do advogado é facultativa
ou apenas tolerada diante dos casos em curso
naquele tribunal.
Há uma participação do gestor nas diversas
fases do processo, desde o colhimento
das informações básicas e que
iniciam os trabalhos, até à defesa
contra as acusações que são feitas, e finalmente as decisões proferidas nas
quais saiu condenado.
No diálogo entre K. e o pintor, fica
evidente que ao se convencer da culpa do acusado o tribunal irá acusar, sendo
muito difícil demover essa convicção.
Os acontecimentos se encaminharam de forma a levar K. a
um estado de desânimo, já que ele não conseguia saber nada sobre o próprio
processo. Isso o deixava apático e indiferente. No final, K. é morto de forma
injusta e trágica. Dois homens o levam a um local isolado. Enquanto um deles o segurava pela garganta o outro
lhe enfia uma faca no peito atingindo o coração e revolvendo a arma ali por
duas vezes.
Antes de
morrer, K. ainda ouve um dos senhores dizer:
— Como um cachorro! — era como
se a vergonha fosse sobrevivê-lo.
(KAFKA, 1979, p. 244).
A obra de Franz Kafka é uma história possível sob várias
interpretações, já que é complexa e profunda.
OS PRINCÍPIOS PROCESSUAIS
Os Princípios são ideias centrais de
um sistema, norteadores, que tem a finalidade de dar sentido lógico, racional,
harmonioso às leis e estabelecer os alicerces e linhas mestras das
instituições, dando-lhes o impulso vital inicial. Os princípios constitucionais
foram criados para servir de norte a toda legislação infraconstitucional, além
de informarem a própria aplicação das normas constitucionais. São os princípios
eleitos para figurar na Lei Fundamental de um povo e estão presentes em todo o
sistema jurídico-normativo como elementos fundamentais da cultura jurídica
humana.
Um dos princípios processuais é o Contraditório, constando na Constituição Federal de 1988 que: “Aos litigantes, em processo judicial
ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a
ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (art.
5º, LV). E, acrescenta que “ninguém
será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo
legal” (CF, art. 5º, LIV).
Como expõe Portanova:
O princípio do contraditório é elemento
essencial ao processo. Mais do que isto, pode-se dizer que é inerente ao
próprio entendimento do que seja processo democrático, pois está implícita a
participação do indivíduo na preparação do ato de poder. A importância do
contraditório irradia-se para todos os termos do processo. Tanto assim que
conceitos como ação, parte e devido processo legal são integrados pela
bilateralidade. (PORTANOVA, 2001, p. 160-161, apud POLI, 2014, p.445.).
Diante desse pensamento pode-se
observar que o juiz, seja no caso penal ou no caso civil, antes de qualquer
conclusão, deve ouvir ambas as partes. As condições para isso devem ser iguais,
já que o contraditório determina sobre a oportunidade que é dada à parte e
também à parte adversa.
A essa ideia corrobora o pensamento
de Leal citado por Melo:
Às partes sejam dadas iguais oportunidades de
atuação no procedimento que prepara o provimento e, por outro lado, que essas
partes, a partir da reconstrução e interpretação compartilhadas também dos
próprios fatos, possam efetivamente contribuir argumentativamente para a
escolha da norma aplicável ao caso concreto, gerando repercussões obrigatórias
na atividade de fundamentação desenvolvidas pelos órgãos judicantes. (LEAL,
apud, MELO 2012, p. 1).
Ampla
Defesa e Contraditório
A Declaração Universal dos Direitos do Homem em seu
artigo 11°, n°1, garante que: “Toda pessoa acusada de um ato delituoso
presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no
decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias lhe sejam
asseguradas”.
A ampla defesa e o
contraditório são as bases do devido processo legal. A ampla defesa consiste em
assegurar que o réu tenha condições de trazer para o processo todos os
elementos tendentes a esclarecer a verdade. Já o contraditório é a própria
exteriorização da ampla defesa. A todo ato produzido pela acusação caberá igual
direito de oposição por parte do réu, bem como de trazer a versão que melhor
lhe apresente ou fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo
autor.
Imparcialidade
Entre
os princípios processuais, a imparcialidade diz que “Todo ser humano tem
direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um
tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres
ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele” (Declaração
Universal dos Direitos do Homem, Artigo X). Por constar entre os direitos do
homem, o referido princípio adquire caráter universal.
Isso
significa que esse princípio é pressuposto de validade do processo; sendo que
diante disso, o juiz deve se colocar acima das partes - primeira condição para
o magistrado exercer sua função jurisdicional.
A
imparcialidade do juiz é considerada como garantia para ambas as partes e mesmo
quando não expressa se constitui em uma garantia constitucional. Dessa forma,
as partes podem exigir um juiz imparcial sendo que o estado tem o dever de se
submeter à imparcialidade na solução dos casos que lhe são arrogados.
De
acordo com o princípio, o caráter de imparcialidade se configura como
inseparável do órgão da jurisdição e é condição irrefutável para o exercício da
função do juiz: manter-se entre as partes e acima delas.
O
ponto principal de um processo idôneo e justo está atrelado à imparcialidade do
juiz, que consiste em se manter neutro e distante em relação ao que está em
questão entre as partes. Essa postura deve ser colocada, enquanto investido no
seu poder de jurisdição, no entanto, é natural que o juiz tenha seus ideais, seus
princípios, a própria ética que norteiam seu comportamento enquanto ser humano.
Juízes devem ser vistos como pessoas com sentimentos como qualquer um e agentes
participativos da realidade social.
Alia-se a esse
princípio, o livre convencimento do juiz, em que a limitação legislativa irá,
de acordo com as instruções dos autos, determinar o julgamento. O conhecimento
do juiz irá basear-se no que lhe for demonstrado durante o processo, visto que
se mantém alheio aos acontecimentos que geraram as questões.
Dessa maneira, o juiz
irá se apoiar na legislação vigente, nos elementos e subsídios existentes nos
autos, decide, de acordo com seus próprios critérios de entendimento da
realidade, e no momento da sentença, explanar sobre os motivos que o levaram em
total liberdade, tomar tal demanda. A decisão do juiz será o resultado do
julgamento, sendo que deverá aderir ao que as provas constantes mostrarem.
O juiz poderá decidir
procedente ou não o pedido de uma das partes ou de ambas e terá que ser
imparcial no que diz respeito ao contraditório e a ampla defesa. A Constituição Federal de 1988 assegura a
imparcialidade do juiz, nos processos, estipulando garantias e prescrevendo
vedação aos magistrados.
Isonomia
O sentimento de
igualdade luta pelo tratamento justo a todos que ainda não conseguiram receber
os direitos básicos, fundamentais para uma vida digna. O princípio da igualdade,
ou princípio da isonomia, tem sua origem nas civilizações mais antigas e está
contido dentro das acepções de justiça mais variadas e com interpretações
diferentes.
Dessa forma, infere-se
que o princípio de isonomia tem como fundamento ser contrário aos privilégios e
distinções desproporcionais. O interesse das classes mais abastadas pode conferir
uma interpretação que discorda do que é realmente.
O direito do ser humano à igualdade não suscita falas inflamadas como a
liberdade, porém numa democracia é
fundamental o sentido da igualdade.
No
que se referem à isonomia, os nominalistas, nome dado às pessoas que seguem
determinada orientação isonômica, afirmam que a desigualdade é uma
característica do Universo, sendo que, nesse caso os homens nascem e permanecem
desiguais. Os idealistas consideram que deve haver uma isonomia absoluta, ou
seja, uma igualdade plena entre todos os homens, sendo a primeira orientação.
Pode-se
afirmar, de acordo com a literatura, que Rosseau
pensava dessa forma, segunda orientação; a terceira orientação, realista, diz que os homens são iguais, havendo
desigualdade fenomênicas como a social, a política, a moral, etc.
No
Brasil, a Constituição Brasileira prevê
o princípio da igualdade em seu art. 5º, caput
. A Constituição volta a destacar o princípio da isonomia, como no art. 3º,
III, 5º, I, 150, II e 226, § 5º., no entanto, o art. 5º, caput, da CF, é suficiente
consagrar entre nós o princípio da isonomia. O fato de ser repetido em
outros preceitos constitucionais, ainda que com outras interpretações, atesta a
importância conferida a esse princípio.
O
princípio da isonomia prevê interpretações que devem observar critérios da
justiça social. O presente estudo pretende abordar apenas a igualdade do
indivíduo perante a lei. Entende-se que o juiz deve promover a igualdade das
partes no processo, em seu aspecto formal, aproximando-se do aspecto
nominalista de igualdade, o que pode evitar a quebra da imparcialidade do
julgador. É fundamental que o magistrado considere as diferenças sociais,
políticas, e econômicas existentes entre os demais sujeitos que vivem a relação
processual.
Publicidade
A
democracia exige transparência no trato com a coisa pública para que a
população tenha conhecimento da atuação dos seus representantes, e possa
exercer algum controle. Essa situação é importante, uma vez que contribui para
nortear o povo no momento de eleger os agentes públicos e também deliberar
sobre assuntos de interesse da coletividade, quando necessário.
Embora
não sejam eleitos pelo povo, os juízes brasileiros exercem uma parcela do poder
do estado e por isso, também, devem prestar contas de como agem em suas funções
jurisdicionais e administrativas. Sendo assim, os atos dos juízes devem ser
conhecidos por meio de publicidade, as motivações para tanto, e assim serem
reconhecidos como legítimos. Exige-se o controle democrático dos atos judiciais
que está associado à garantia da
publicidade processual.
A
publicidade num processo criminal tem a função de favorecer a transparência em
um julgamento que se pretende justo, dando acesso aos autos e assegurando a
presença das partes envolvidas e seus advogados, nas audiências judiciais. Em alguns países, a constituição permite que
a sociedade em geral tenha acesso aos autos de um processo, como garantia do
acusado numa ação penal, e isso está associado ao julgamento justo.
Destaca–se que o réu pode optar por pleitear
ao juiz a decretação de sigilo para
preservar a própria imagem de suposto autor de crime, e também para impedir
influência no resultado do processo devido à cobertura jornalística, quando há
comoção da sociedade.
O
princípio da publicidade está garantido no Artigo 10º da Declaração dos
Direitos Universais do Homem que dispõe: “Todo homem tem direito, em
plena igualdade, a uma justa e pública audiência, por parte de um tribunal
independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do
fundamento de qualquer acusação criminal contra ele”. Também na Constituição
Federal de 1988 há menção ao princípio da publicidade: Art. 37. A administração
pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...].
A
ANÁLISE
Em
O Processo, de Franz Kafka, o acusado
não é inteirado das causas que o levaram a ser processado. Joseph K. é
impossibilitado de se defender perante a "justiça", embora tente
fazer com que isso aconteça. Ele foi ouvido em uma audiência, mas não consegue
obter o acesso aos autos do processo. O advogado que o acompanha não lhe dá informações
consistentes, apenas explicações sem definições certas, e fazia questão de
deixar transparecer a própria influência junto
ao juiz e os funcionários da justiça.
Em
uma passagem, a personagem central, Joseph K. afirma ao pintor Titorelli que "Mas todos estão de acordo em que a
acusação mais insignificante não fica anulada sem mais nem menos, senão que a
justiça, uma vez que formulou a acusação, está firmemente convencida da
culpabilidade do acusado e em que dificilmente se pode alterar tal
convicção"( 1979, p. 161).
O
pintor responde que nunca a justiça abandona tal convicção. Infere-se, então
que, a partir de uma acusação proferida, o individuo é considerado culpado. Isso
pode ser comprovado no romance e também na nossa realidade. Nem sempre a justiça cumpre os princípios
constitucionais. Existem obstáculos, é fato, como os financeiros,
organizacionais, e processuais. No entanto, é de conhecimento geral que a
corrupção e a burocracia do judiciário favorecem sobremaneira para que os
direitos fundamentais do homem sejam negados, ou de acordo com outros
interesses.
— O senhor está
detido.
— É o que parece
– disse K.
— Mas por quê? – perguntou então.
— Não fomos incumbidos de dizê-lo. Vá para o seu quarto e espere. O
procedimento acaba de ser iniciado e o senhor ficará sabendo de tudo no devido
tempo (...).
— Como posso estar detido? E deste modo? — Indaga K.
—Lá vem o senhor de novo. — disse
o guarda, mergulhando um pão com manteiga
no potinho de mel.
— Não respondemos a perguntas como essa. (KAFKA, 1979, p.9).
Josef K. tomou conhecimento de que estava sendo
processado, chegando a participar de audiência de instrução. Porém é fato que
não conseguiria influenciar o magistrado
ou os dois partidos presentes na sala de audiência, com seu discurso. A
personagem estava apenas sendo testada, como se tudo já estivesse definido para
os próximos atos. Isso pode ser comprovado em:
Então
é isso – bradou K. lançando os braços para o alto, o súbito reconhecimento
queria espaço –, todos vocês são funcionários; pelo que estou vendo, são vocês
o bando corrupto contra o qual eu falei, vocês se reuniram aqui como ouvintes e
espias, formaram partidos de fachada, um dos quais aplaudiu para me testar;
vocês queriam aprender como se deve enganar um inocente! (KAFKA, 2005, p.55).
Em
passagens mais adiante, na conversa que teve com o pintor Titorelli, ele lhe
revela:
- Você não parece
possuir ainda um conhecimento ao menos geral da justiça, declarou o pintor, que
tendo separado muito suas pernas golpeava com as pontas dos pés sobre o piso.
– Mas desde que você
é inocente não terá necessidade de tal conhecimento; eu somente posso tirá-lo
do aperto.
– Como se arranjará
para consegui-lo? – Perguntou K.
– Você mesmo acaba de me dizer que com a
justiça não valem de modo algumas argumentações ou provas.
– Não valem as provas
que são apresentadas diante dos tribunais – replicou o pintor... (KAFKA, 1979,
p. 162).
Diante
de uma acusação o indivíduo tem o direito de buscar elementos, meios legais e
apresentação de provas que possam beneficiar sua defesa e/ou esclarecimento do
que ocorreu. No fragmento descrito acima, evidencia-se que o tribunal não permitiu
ao acusado nenhuma ação que o ajudasse a produzir ou encontrar provas que
comprovassem sua inocência. Com isso, fica embargado o seu direito de à Ampla
Defesa e ao Contraditório.
Em
outra passagem, em que se vê aviltado esses direitos K. inquire: “Infiro-o de fato de ver-me acusado sem que
seja possível encontrar que eu tenha cometido o menor delito pelo qual se
justifique uma acusação. Mas isto também é acessório; o fundamental é outra
coisa: quem me acusa? Que autoridade superintende o inquérito? Vocês são
funcionários? (KAFKA: 2011, p. 50)”.
Por
desconhecer o motivo de sua detenção e qual lei infringiu, K. não tem como
exercer seus direitos de contestar as acusações apresentadas e montar uma
defesa bem elaborada, de acordo com o Princípio de Ampla Defesa e do
Contraditório.
Imparcialidade
A
imparcialidade pode ser um princípio em que se observa o dever de favorecer um
estado de coisas que levem a um julgamento isento de interesses ou de razões
inadequadas observadas por quem está julgando. Observa-se a imparcialidade como
norma universal prevista no Artigo 10 da declaração dos Direitos do Homem “Toda pessoa tem direito, em condições de
plena igualdade, de ser ouvida publicamente e com justiça por um tribunal
independente e imparcial, para a determinação de seus direitos e obrigações ou
para exame de qualquer acusação contra ela em matéria penal.”
No
Brasil, não há menção sobre a imparcialidade, na Constituição Federal, talvez
porque outros diversos dispositivos constitucionais tratam do princípio, naturalmente,
e instrumentaliza garantias legais. Os processos se tornam ambientes naturais aonde
vêm à tona esse princípio, com direitos e garantias. Nesse sentido as regras
processuais são responsáveis pela efetivação desses princípios com seus
direitos e garantias.
Na
obra em análise, O Processo, a
personagem K. é acusada passando a ser réu e viver uma prisão dentro de casa sui generis, uma vez que pode sair para trabalhar, como visto em:
- Quer, sem dúvida, ir agora para o banco?
Diz-lhe o inspetor.
- Para o banco? – perguntou K. – Julgava-me
sob prisão.
-Como posso eu ir ao banco, se me encontro
detido?
-Ah! – disse o inspetor que se achava já
próximo da porta -, compreendeu-me que se encontra sob prisão, claro, mas isso
não deve impedi-lo de exercer a sua profissão. Também não deve sentir-se incomodado
nos seus hábitos ( KAFKA, 1979, p. 20) .
Ao
lhe ser negado o direito de saber os motivos de sua detenção, e do quê está
sendo acusado, há uma declaração implícita de imparcialidade. Neste caso, ainda
que não haja um confronto direto com o magistrado, a partir das bases em que se
monta o processo, e da forma como o advogado, e os funcionários do tribunal,
tratam o acusado, há uma afronta notória
quanto aos princípios da imparcialidade e da isonomia. Comprova-se:
K.
vira pessoalmente: os magistrados, mesmo alguns de nível superior, dão de bom
grado,informações explícitas ou menos fáceis de interpretar, discutem o
seguimento imediato do processo, chegam até nalguns casos a deixar-se convencer
e adotam então uma opinião diferente da sua. Kafka, argumenta a seguir que não
se deve confiar demasiado neles; podem exprimir com força novas intenções
favoráveis à defesa, e talvez logo no regresso ao seu gabinete irão elaborar
para o dia seguinte uma decisão judicial diametralmente oposta e talvez mais
severa ainda para o acusado do que a sua primeira intenção, que declaravam
abandonado (KAFKA, 61-62)
Pode-se
perceber nessa passagem que o desconhecimento do conteúdo do interrogatório
pode levar a uma interpretação imparcial por parte do advogado e de outros
envolvidos e funcionários do tribunal, baseada tão somente na própria visão
sobre os fatos, sem dar ao acusado a possibilidade de defesa.
Na
obra, Kafka expõe sobre a compreensão de que há falhas no sistema fechado do
tribunal, nos escalões inferiores, contendo funcionários desleais e corruptos.
Essa realidade favorece a ação de suborno a advogados desonestos. Aliada a essa situação ocorre o fato de
descobrir que um industrial tomara conhecimentos do seu processo por meio de um
pintor. Isso significa que outros sabiam o que ele mesmo não tinha
conhecimento.
Durante
o interrogatório a que é submetido K. interrompe a narração que faz à
assistência e ao juiz de instrução e olha na direção do juiz ao perceber que
este faz um sinal com os olhos a alguém na plateia. K. se dá conta que está
meio a algo que não entende muito bem:
— “Neste mesmo instante, o juiz de instrução
a meu lado dirige um sinal combinado a alguém entre vós. Há, portanto, entre
vós gente que é manipulada a partir deste estrado” (KAFKA, 1979, p.52)
K. conclui que as manifestações da assembleia
durante o seu depoimento aconteciam de
acordo com a vontade do juiz que as comandavam a partir de sinais que enviava
sutilmente. K. percebe que então que está no meio de uma farsa, e que o juiz
age parcialmente, de acordo com os interesses de outros funcionários.
—“Todo este caso diz-me muito pouco respeito,
por isso o julgo calmamente e ganhareis muito se me escutardes, admitindo que
tenhais um pouco de interesse por este pretenso tribunal” (KAFKA, 1979, p. 52)
Ao
ver a forma como o juiz de instrução agia quanto ao seu julgamento K.
finalmente enxerga o que estava acontecendo e se dirige à assembleia:
—“Não resta qualquer dúvida de que por detrás
de todos os procedimentos deste tribunal, portanto no meu caso preciso, por
detrás da detenção e presente instrução, dissimula-se uma vasta organização.
Uma organização que não só emprega guardas corruptos, inspetores estúpidos e
juízes de instrução modestos no melhor dos casos, mas sustenta uma alta
magistratura suprema, com o seu incontornável cortejo de diligências, de
escrivães, de polícias de outros
auxiliares, talvez mesmo os seus carrascos, a palavra não me mete medo” (KAFKA,
1979, p.53)
Dessa
forma, K. deduzira, a partir da pergunta do juiz de instrução, quando da sua
chegada no tribunal se ele era pintor de paredes, sendo que ele era gerente de
bancos. Enquanto falava ao juiz K. havia visto que o juiz tinha nas mãos um
caderninho de notas e não os autos do processo. K. então pega o caderninho e
mostra à assistência, humilhando o juiz.
Isso comprova para K. que sua detenção tinha
sido uma farsa e que esse procedimento devia acontecer com outras pessoas,
diante da fala dos guardas que haviam revelado sobre os bens dos acusados que
ficavam consignados e que deveriam ser roubados por funcionários desonestos.
No
entanto, todos esses acontecimentos não foram suficientes para abalarem aquelas
pessoas e K. se dá conta de que eram funcionários, todos corruptos. K. consegue
sair do local e ir embora.
Apreende-se que essas passagens do
drama de K. revelam não só a imparcialidade de tratamento, como também a uma quebra
da isonomia, princípios que estão sempre atrelados.
Outro
detalhe que chama a atenção é narrado no momento em que K. percebe as insígnias
de partido pregadas às golas dos casacos vestidos pela assistência e também do
próprio juiz o que comprova a
imparcialidade constante no julgamento.
O
Princípio da Igualdade ou Isonomia é uma interface da imparcialidade. A
consideração objetiva de opiniões determinadas pela lei deve ser levada
observada nas relações dos indivíduos com o Estado, considerando a pessoa, nas
suas decisões. Nesse caso o sistema não pode se submeter a antipatias ou
simpatias pessoais, impulsões político-partidárias ou preferências de qualquer
tipo. A imparcialidade e neutralidade
devem prevalecer tornando infenso o sistema a tais situações.
A
publicidade
Na
obra de Kafka, O Processo, há uma
narração de um processo sem o respeito a nenhuma das garantias. Nela o
protagonista se vê sozinho tentando de defender da imputação de um crime que
ele desconhece completamente. E nenhuma das pessoas s quem ele pergunta sabe
responder sobre isso. Todo o processo é feito de forma sigilosa e fechada.
A
garantia da publicidade confere ao público a possibilidade de participar de certa
forma da administração da justiça e também é uma tentativa de controlá-la. E
assim, sugere uma proteção e uma defesa
para o réu.
Em
O Processo esse princípio é negado uma vez que o réu não sabe o que está
acontecendo, nem tampouco seu advogado tem acesso aos documentos. Na obra,
Kafka lembra que o “processo judicial não é público; se o tribunal julgar
necessário, pode torná-lo público, mas a lei não o exige. [...] Os documentos
conservados no tribunal e sobretudo a peça de acusação, são incessíveis ao
acusado e à sua defesa”.
“De
fato, o acusado não tem acesso aos processos do tribunal, e é muito difícil
determinar a partir dos interrogatórios sobre o que os documentos assentam, e
os advogados não têm o direto de estar presente nos interrogatórios”.
Diante
desses fatos: “K. agora tinha compreendido que a organização do tribunal, nos
escalões inferiores, não é perfeita, inclui funcionários desleais e corruptos, o
que provoca de certo modo falhas no sistema fechado do tribunal”.
Kafka
ainda pontua que:
Nestas circunstâncias
a defesa encontra-se numa situação desvantajosa e difícil, mas que tudo isso é
proposital. Porque na realidade, a lei não autoriza a defesa, apenas a tolera e
a questão de saber se a alínea em causa deve ser interpretada pelo menos no
sentido de tolerância, é ela própria controversa.
Em outra passagem, em que se vê
aviltado esses direitos K. inquire:
“Infiro-o de fato de ver-me acusado sem que seja possível encontrar que
eu tenha cometido o menor delito pelo qual se justifique uma acusação. Mas isto
também é acessório; o fundamental é outra coisa: quem me acusa? Que autoridade
superintende o inquérito? Vocês são funcionários? (KAFKA: 2011, p. 50)”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A
partir da leitura do livro e das pesquisas realizadas para a análise do livro
“O Processo”, de Franz Kafka, pode-se afirmar a atemporalidade das questões
abordadas pelo autor. O drama vivido por Joseph K. quanto ao seu processo e as
irregularidades vistas, de acordo com os princípios processuais, são comumente
percebidos em nossos dias, e noticiados pelas mídias, conforme artigos
pesquisados na internet.
A
corrupção existente no livro e que atinge Joseph K de forma inesperada,
tornando-o culpado, não se sabe de quê, é um retrato antecipado de situações
que vivemos na atualidade, deixando um rastro de desesperança na verdade e na
justiça. O homem comum não tem a quem recorrer.
No
que tange aos direitos humanos, pode-se afirmar que o princípio da igualdade é
aquele que deve ser mais observado, por ser a base de todos os outros.
Compreende-se que os homens nascem iguais, e permanecem iguais, essencialmente,
seja perante o Direito, seja perante todas as outras Ciências. Entretanto, o
homem perde esse direito diante de outro homem em diversas situações como
fenômenos sociais, políticos, morais, etc.
REFERÊNCIAS
KAFKA, Franz. O
Processo. Tradução de Torrieri
Guimarães. – São Paulo : Abril Cultural. 1979.
MELO,
Nathalia Vieira. Princípios do contraditório e da ampla defesa como garantia
de participação do servidor na construção da decisão final do processo
administrativo disciplinar. Diritto Brasiliano. 2012. Disponível em:
Acesso
em 26 nov. 2018.
POLI,
Camilin Marcie. O Contraditório Como Elemento Essencial Do Processo. Constituição, Economia e Desenvolvimento:
Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional. Curitiba, 2014, vol.
6, n. 11, Jul.-Dez. p. 442-458. 445. Disponível em:
Acesso
em 15 nov. 2018.
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