segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

DA NATUREZA HUMANA




Acomodar-se é perigoso! Principalmente para quem desce a serra, que nesse caso deve ser feita pelo menos em carrinho de rolimã, ou sentados em algum apetrecho. Por isso, nesta idade, enchi meu coração de lantejoulas, armei-me de um tamborim e saí à caça de algo que me enfeitasse mais que esse batom vermelho que ora trago, e que desse sentido à minha vida. Mais que os pontos de crochê que me amarram nas tardes mornas e sem graça; o amor dos meus filhos, de todos os dias; o prazer solitários de noites compridas e frias, ainda que em mês de qualquer verão (assim tudo misturado, porque tudo é emoção). Porque o suor advindo de um fogo que não se acaba, gela ao sopro da solidão. E assim armada, e desamada, qual cego sedento, busquei onde aplicar meu braille, meus parcos conhecimentos de tatuadora em pele alheia, que aliviasse sede, suor e lágrimas. E encontrei! Tudo! Tirei mofo, teias de aranha, vontade recolhidas. Pudores mal cheirosos, e verdades que já se foram. Soprou vento, tsunami... todos os elementos em festa rodopiaram até o sol raiar. E naveguei em águas revoltas que nem crise de labirintite, ou bebedeira. E planei de asa delta, subindo e descendo nuvens coloridas em loucura de cogumelos ou qualquer outra química. Nutella é feijão com arroz, comparado surrealmente. Mas tive momentos extásicos tão doces e viajantes como em Gilmour ou Alcest. Viver é muito bom, ainda que perigoso, conforme Rosa. Vivi em um dia, ou noite como queiram, conteúdo de anos. No entanto, navegar requer astúcia, e acredito que em coração de outrem, muito mais. É laboroso, tem que dar voltas; calar, às vezes; fazer vontades, que nem sempre são as da gente. Melindres e muito mimo, nem em criança pequena é coisa boa. O perigo é esse: o revertero. Mas teve bom que as lantejoulas continuaram. Certo que agora, ao tamborim, juntou-se uma cuíca que me traz lamentos tristes e chorosos. É a saudade! Mas isso passa, como tudo nesta vida. Eu sou ariana! Persistente, teimosa. Vou continuar tentando. E se não conseguir, não me acusarão de não ter tentado. E se alguém souber de um amorzinho solto por aí, diga-lhe que estou feito Ártemis. E não se escandalize com o dito e mais ainda com o silenciado. Todo mundo faz isso! É da natureza humana.

Lécia Freitas


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