segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

DESIGUALDADES SALARIAIS E RELAÇÕES DE PODER




     A constatação das desigualdades entre gêneros no mercado de trabalho remunerado leva à necessidade de se estudar o assunto a fim de obter uma compreensão do contexto e dos fatores que influenciam  essa realidade, e também da disparidade existentes em tópicos como remuneração, progressão  funcional e acesso aos empregos que exigem melhor qualificação profissional
“As formas de opressão, geradas a partir da questão de gênero, são uma realidade objetiva que atinge um contingente expressivo de mulheres e, neste sentido, só pode ser entendida no contexto sócio, histórico e cultural”, advinda de um movimento multifatorial e incompatível entre sociabilidade e individualidade “e entre as relações de gênero e a totalidade da vida social” (SANTOS; OLIVEIRA; 2010; p.1).
       De acordo com Pra (2005, p.3) cenário dos direitos humanos é contrário aos ensejos femininos e se apresenta pelo “não reconhecimento de direitos específicos”, particularmente em áreas como a do trabalho e dos direitos reprodutivos; aos quais se acrescentam a violência efetuada contra elas em conjunturas tanto sociais quanto familiar. “Situação comum às trabalhadoras de todos os setores, incluído tanto instituições públicas como privadas”. Em situações em que as mulheres são o chefe de família  “as desigualdades salariais levam à vulnerabilidade econômica”. O que resultar, em comunidades carentes, “o ingresso precoce de crianças e jovens no mundo do trabalho, a exploração do trabalho infantil” pela necessidade de complementar a renda familiar. Outra cena que tem se tornado comum é o retorno de idosos ao mercado de trabalho também pela complementação da renda pessoal.
     A autora (PRA, 2005, p.3) ainda pontua que as consequências dessa vulnerabilidade geram “perdas na arrecadação, problemas orçamentários e instabilidade econômica, social e política”, resultando na promoção da retração da economia o que conduz ao “incremento dos níveis de pobreza absoluta”.  Dados de uma pesquisa mencionada por Pra (2005, p.14) revelam que “os rendimentos médios das mulheres tendem a se manter sempre abaixo da remuneração média dos homens” sustentando o argumento enganoso e estereotipado de que, no processo produtivo “a mão de obra feminina vale menos que a masculina”.
      Em contra partida, dados divulgados pela OIT (Organização Internacional do Trabalho), esclarecem que a justificativa das diferenças salariais é relativa aos custos do seguro-maternidade da trabalhadora o que é injustificável, uma vez que o valor gasto em um posto de trabalho ocupado por uma mulher representa, no Brasil, 1,2% a remuneração bruta mensal, sendo que o “salário-maternidade é pago pelo sistema de seguridade social, de forma que o gasto efetivo das empresas fica restrito ao auxílio creche e ao direito à amamentação” (PRA, 2005 p. 14).
   Em um estudo sobre o tema, Mincato, Dornelles Filho e Soares (2013, p.8) apontam hipóteses, criadas a partir da observação de “fenômenos políticos e sociais característicos da sociedade brasileira”, para explicar a continuidade das “discrepâncias salariais e da segregação ocupacional entre os gêneros no mundo do trabalho”.
    De acordo com Marilena Chauí (2006, p. 115-142 apud MINCATO, DORNELLES FILHO, SOARES, 2013, p. 10) as características das relações sociais no país reproduzem uma realidade de autoritarismo e violência. A burla da não violência, segundo a qual “a violência no Brasil é um fenômeno esporádico e efêmero”, tem como funções ocultar as lutas de classe e associar as lutas por justiça social à violência quando classifica as manifestações “em defesa da garantia dos direitos humanos e constitucionais de mulheres e de outras minorias sociais, étnicas, raciais e sexuais”, contradizendo a  estrutura dos “problemas sociais e distorcendo completamente a realidade social’.
     Neste sentido, para Mincato, Dornelles Filho e Soares, (2013, p.10) “o mito da não violência também contribui para ocultar as desigualdades de gênero”, transformando-as em contingências da vida, fenômeno eventual ou decorrente  de “diferenças anatômicas, psíquicas e fisiológicas, mediante as quais nada se pode fazer”. Essa situação legitima as desigualdades de gênero “expressa em classificações como “ocupações femininas”, em enunciados ideológicos como “trabalho de mulher”, “práticas de trabalho femininas” e também nas “escolhas profissionais femininas””. Conforme Pierre Bourdieu (2007, p. 434-447) na voz dos mesmos autores essas classificações produzem “os efeitos desejados, construindo os consensos sociais que definem o lugar que as pessoas devem ocupar na sociedade”, reproduzindo as divisões sociais necessárias para a continuidade da conjuntura patriarcal.
     Em outra hipótese, ainda na interpretação de Mincato, Dornelles Filho e Soares (2013, p. 12) a representação social e identitária das mulheres vincula as atividades domésticas, educacionais e assistenciais na ambiente familiar, como ocupações sem remuneração e desvalorizadas. Ressalta, no entanto, “a contribuição que as ‘representações coletivas’ do mundo social, especialmente dos papéis de gênero, oferece para a manutenção da ordem estabelecida”. A luta simbólica e política por reconhecimento social e valorização profissional nos espaços de trabalho formais, relacionada com afirmação profissional, refere-se ao impacto negativo que a representação social e identitária da mulher possui em sua subjetividade. Sendo  assim, as desigualdades de gênero no mundo do trabalho não decorrem de falta de escolaridade, mas da aceitação das divisões da ordem estabelecida. Diante disso, pode-se afirmar que a construção social em cima da especificação dos papeis  dos gêneros está relacionada com o sistema patriarcal, aqui entendido como sistema de dominação masculina em que o homem organiza e dirige, majoritariamente, a vida social. Com o aumento da desigualdade social e a intensificação da exploração da classe trabalhadora, aprofunda-se a situação de dominação-exploração sobre a mulher.
      Para Santos e Oliveira (2010, p.1) os mecanismos de dominação-exploração do sistema capitalista são ditados pelo patriarcado, tornando-se impossível perceber as dimensões de gênero fora desse contexto. “As relações desiguais de gênero se apresentam como objetivação atualizada do patriarcado, enquanto sistema que domina e oprime as mulheres”.
Na interpretação de  Camurça (2007, p. 20, apud SANTOS, OLIVEIRA, 2010, p.1), o sistema de dominação patriarcal se  estrutura a partir de quatro mecanismos que o sustentam:

1) A prática da violência contra as mulheres para subjugá-las;
2) O controle sobre o corpo;
3) A manutenção das mulheres em situação de dependência econômica;
4) A manutenção, no âmbito do sistema político e práticas sociais, de interdições à participação política das mulheres ( CAMURÇA, 2007, p. 20, apud SANTOS, OLIVEIRA, 2010).

Considera-se, portanto, ainda ancorado em Santos e Oliveira (2010, p.1)  que
o sistema do capital se beneficia da opressão vivenciada pelas mulheres por meio da reprodução do papel conservador da família e da mulher, e pela  inserção precária e subalterna no mundo do trabalho. Nessa conjuntura torna-se necessária intervenções no sentido de  adquirir uma nova condição social, política e econômica para as mulheres, que seja propícia à  igualdade entre os gêneros. O que se vê nos dias atuais são contradições oriundas do sistema dominante, que abrem novos rumos  para enfrentamentos e transformações objetivando uma nova ordem social.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MIINCATO, Ramone. DORNELLES FILHO, Adalberto A. SOARES, Lodonha M. P. C. Desigualdades de gênero: disparidade salarial e segregação ocupacional. XII Encontro sobre os aspectos econômicos e sociais da região nordeste do RS, 7-8 / 10 / 2013, Caxias do Sul. Disponível em:
<https://www.ucs.br/site/midia/arquivos/TEC_09_XII_EAESRNE_Desigualdade_de_genero.pdf>.
Acesso em 21 out. 2019.

 PRÁ, Jussara Reis. O custo político das desigualdades de gênero e a teoria do capital social. v. 9, n. 2 . 2005. Disponível em: <http://www.revistas.unisinos.br/index.php/educacao/article/view/6309>.
Acesso em 21 out. 2019.

SANTOS, Silvana Mara de Morais dos. OLIVEIRA,  Leidiane. Igualdade nas relações de gênero na sociedade do capital: limites, contradições e avanços. Rev. katálysis vol.13 no.1 Florianópolis Jan./June 2010.  Disponível em:

<http://www.scielo.br/pdf/rk/v13n1/02.pdf>.

Acesso em 21 out. 2019





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