A constatação das desigualdades
entre gêneros no mercado de trabalho remunerado leva à necessidade de se
estudar o assunto a fim de obter uma compreensão do contexto e dos fatores que
influenciam essa realidade, e também da
disparidade existentes em tópicos como remuneração, progressão funcional e acesso aos empregos que exigem
melhor qualificação profissional
“As formas de opressão, geradas a
partir da questão de gênero, são uma realidade objetiva que atinge um
contingente expressivo de mulheres e, neste sentido, só pode ser entendida no
contexto sócio, histórico e cultural”, advinda de um movimento multifatorial e
incompatível entre sociabilidade e individualidade “e entre as relações de
gênero e a totalidade da vida social” (SANTOS; OLIVEIRA; 2010; p.1).
De acordo com Pra (2005, p.3)
cenário dos direitos humanos é contrário aos ensejos femininos e se apresenta pelo
“não reconhecimento de direitos específicos”, particularmente em áreas como a
do trabalho e dos direitos reprodutivos; aos quais se acrescentam a violência
efetuada contra elas em conjunturas tanto sociais quanto familiar. “Situação
comum às trabalhadoras de todos os setores, incluído tanto instituições
públicas como privadas”. Em situações em que as mulheres são o chefe de família
“as desigualdades salariais levam à
vulnerabilidade econômica”. O que resultar, em comunidades carentes, “o
ingresso precoce de crianças e jovens no mundo do trabalho, a exploração do
trabalho infantil” pela necessidade de complementar a renda familiar. Outra
cena que tem se tornado comum é o retorno de idosos ao mercado de trabalho
também pela complementação da renda pessoal.
A autora (PRA, 2005, p.3) ainda
pontua que as consequências dessa vulnerabilidade geram “perdas na arrecadação,
problemas orçamentários e instabilidade econômica, social e política”,
resultando na promoção da retração da economia o que conduz ao “incremento dos
níveis de pobreza absoluta”. Dados de
uma pesquisa mencionada por Pra (2005, p.14) revelam que “os rendimentos médios
das mulheres tendem a se manter sempre abaixo da remuneração média dos homens”
sustentando o argumento enganoso e estereotipado de que, no processo produtivo
“a mão de obra feminina vale menos que a masculina”.
Em contra partida, dados divulgados
pela OIT (Organização Internacional do Trabalho), esclarecem que a
justificativa das diferenças salariais é relativa aos custos do
seguro-maternidade da trabalhadora o que é injustificável, uma vez que o valor
gasto em um posto de trabalho ocupado por uma mulher representa, no Brasil,
1,2% a remuneração bruta mensal, sendo que o “salário-maternidade é pago pelo
sistema de seguridade social, de forma que o gasto efetivo das empresas fica
restrito ao auxílio creche e ao direito à amamentação” (PRA, 2005 p. 14).
Em um estudo sobre o tema,
Mincato, Dornelles Filho e Soares (2013, p.8) apontam hipóteses, criadas a
partir da observação de “fenômenos políticos e sociais característicos da
sociedade brasileira”, para explicar a continuidade das “discrepâncias
salariais e da segregação ocupacional entre os gêneros no mundo do trabalho”.
De acordo com Marilena Chauí
(2006, p. 115-142 apud MINCATO, DORNELLES FILHO, SOARES, 2013, p. 10) as
características das relações sociais no país reproduzem uma realidade de
autoritarismo e violência. A burla da não violência, segundo a qual “a
violência no Brasil é um fenômeno esporádico e efêmero”, tem como funções
ocultar as lutas de classe e associar as lutas por justiça social à violência
quando classifica as manifestações “em defesa da garantia dos direitos humanos
e constitucionais de mulheres e de outras minorias sociais, étnicas, raciais e
sexuais”, contradizendo a estrutura dos “problemas
sociais e distorcendo completamente a realidade social’.
Neste sentido, para Mincato,
Dornelles Filho e Soares, (2013, p.10) “o mito da não violência também
contribui para ocultar as desigualdades de gênero”, transformando-as em
contingências da vida, fenômeno eventual ou decorrente de “diferenças anatômicas, psíquicas e
fisiológicas, mediante as quais nada se pode fazer”. Essa situação legitima as
desigualdades de gênero “expressa em classificações como “ocupações femininas”,
em enunciados ideológicos como “trabalho de mulher”, “práticas de trabalho
femininas” e também nas “escolhas profissionais femininas””. Conforme Pierre
Bourdieu (2007, p. 434-447) na voz dos mesmos autores essas classificações
produzem “os efeitos desejados, construindo os consensos sociais que definem o
lugar que as pessoas devem ocupar na sociedade”, reproduzindo as divisões
sociais necessárias para a continuidade da conjuntura patriarcal.
Em outra hipótese, ainda na interpretação
de Mincato, Dornelles Filho e Soares (2013, p. 12) a representação social e
identitária das mulheres vincula as atividades domésticas, educacionais e
assistenciais na ambiente familiar, como ocupações sem remuneração e
desvalorizadas. Ressalta, no entanto, “a contribuição que as ‘representações
coletivas’ do mundo social, especialmente dos papéis de gênero, oferece para a manutenção
da ordem estabelecida”. A luta simbólica e política por reconhecimento social e
valorização profissional nos espaços de trabalho formais, relacionada com
afirmação profissional, refere-se ao impacto negativo que a representação social
e identitária da mulher possui em sua subjetividade. Sendo assim, as desigualdades de gênero no mundo do
trabalho não decorrem de falta de escolaridade, mas da aceitação das divisões
da ordem estabelecida. Diante disso, pode-se afirmar que a construção social em
cima da especificação dos papeis dos
gêneros está relacionada com o sistema patriarcal, aqui entendido como sistema
de dominação masculina em que o homem organiza e dirige, majoritariamente, a
vida social. Com o aumento da desigualdade social e a intensificação da
exploração da classe trabalhadora, aprofunda-se a situação de
dominação-exploração sobre a mulher.
Para Santos e Oliveira (2010,
p.1) os mecanismos de dominação-exploração do sistema capitalista são ditados
pelo patriarcado, tornando-se impossível perceber as dimensões de gênero fora
desse contexto. “As relações desiguais de gênero se apresentam como objetivação
atualizada do patriarcado, enquanto sistema que domina e oprime as mulheres”.
Na interpretação de Camurça (2007, p. 20, apud SANTOS, OLIVEIRA,
2010, p.1), o sistema de dominação patriarcal se estrutura a partir de quatro mecanismos que o
sustentam:
1) A prática da
violência contra as mulheres para subjugá-las;
2) O controle sobre o
corpo;
3) A manutenção das
mulheres em situação de dependência econômica;
4) A manutenção, no
âmbito do sistema político e práticas sociais, de interdições à participação
política das mulheres ( CAMURÇA, 2007, p. 20, apud SANTOS, OLIVEIRA, 2010).
Considera-se, portanto, ainda
ancorado em Santos e Oliveira (2010, p.1)
que
o sistema do
capital se beneficia da opressão vivenciada pelas mulheres por meio da
reprodução do papel conservador da família e da mulher, e pela inserção precária e subalterna no mundo do
trabalho. Nessa conjuntura torna-se necessária intervenções no sentido de adquirir uma nova condição social, política e
econômica para as mulheres, que seja propícia à igualdade entre os gêneros. O que se vê nos
dias atuais são contradições oriundas do sistema dominante, que abrem novos
rumos para enfrentamentos e
transformações objetivando uma nova ordem social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MIINCATO,
Ramone. DORNELLES FILHO, Adalberto A. SOARES, Lodonha M. P. C. Desigualdades de gênero: disparidade
salarial e segregação ocupacional. XII Encontro sobre os aspectos econômicos e
sociais da região nordeste do RS, 7-8 / 10 / 2013, Caxias do Sul. Disponível
em:
<https://www.ucs.br/site/midia/arquivos/TEC_09_XII_EAESRNE_Desigualdade_de_genero.pdf>.
Acesso em 21 out. 2019.
Acesso em 21 out.
2019.
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