quinta-feira, 5 de março de 2015

Sabiá!

Se eu dissesse que cantava, mentiria. Não cantava. Estava quieto: demorou-se algum tempo, depois partiu.
Mas eu presto meu depoimento perante a História. Eu vi. Era um sabiá, e pousou no alto da palmeira. “Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá”. Não cantou. Ouviu o canto de outro sabiá que cantava longe, e partiu.
Era um sabiá-laranjeira, de peito cor de ferrugem; pousou numa palmeira, cheia de cachos de coquinhos, perto da varanda. Ouviu um canto distante, que vinha talvez dos pés de mulungu. Sabeis, naturalmente: é agosto e os mulungus estão floridos, estão em pura flor, cada um é uma grande chama cor de tijolo. Foi de lá que veio um canto saudoso, e meu sabiá-laranjeira partiu.
Mas ele estava pousado na palmeira. Descansa em paz, nas ondas do mar, meu velho Antônio Gonçalves Dias; dorme no seio azul de Iemanjá, Antônio. Ainda há sabiás nas palmeiras, ainda há esperança no Brasil.


Rubem Braga em  Ai de ti, Copacabana



2 comentários:

  1. Lembro desse texto, em um livro didático, quando criança. Há muito tempo procurava por ele novamente, não lembrava que era de Rubem Braga. Tinha em mente que seria de Raquel de Queiroz ou Cecília Meireles.

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  2. Oi, João!
    O texto é do Rubem Braga, mesmo!
    Abraços

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