sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

ASPECTOS BIOPSICOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL --- 5


APRENDIZAGEM

O processo de organização das informações e de integração do material à estrutura  cognitiva é o que os cognitivistas denominam aprendizagem.
A abordagem cognitivista diferencia a aprendizagem mecânica da aprendizagem significativa.:
  • Aprendizagem mecânica  refere-se à aprendizagem de novas informações com pouca ou nenhuma associação com conceitos já existentes na estrutura cognitiva.
  • Aprendizagem significativa  processa-se quando um novo conteúdo (ideias ou informações) relaciona-se com conceitos relevantes, claros e disponíveis na estrutura cognitiva, sendo assim assimilado por ela. Esses conceitos disponíveis são os pontos de ancoragem da aprendizagem.


MOTIVAÇÃO

         A motivação continua sendo um complexo tema para a Psicologia e, particularmente, para as teorias de aprendizagem e ensino. Atribuímos às condições motivadoras o sucesso ou o fracasso dos professores ao tentar ensinar algo a seus alunos. Apesar de dificilmente  detectarmos o motivo que subjaz a algum tipo de comportamento, sabemos que sempre há algum.
           
O estudo da motivação considera três tipos de variáveis:
  1. O ambiente;
  2. As forças internas do indivíduo, como necessidade, desejo, vontade, interesse, impulso, instinto;
  3. O objeto que atrai o indivíduo por ser fonte de satisfação da força interna que o mobiliza.

          A motivação é, portanto, o processo que mobiliza o organismo para a ação, a partir de uma relação estabelecida entre o ambiente, a necessidade e o objeto de satisfação. Isso significa que, na base da motivação, está sempre o interesse, uma vontade ou uma predisposição para agir. Na motivação  está também incluído o ambiente que estimula o organismo e que oferece o objeto de  satisfação. E, por fim, na motivação está incluído o objeto que aparece como a possibilidade de satisfação da necessidade.
          A gíria possui um termo bastante apropriado para a significação de motivação: “estar a fim”. Quando dizemos “estamos a fim de”, estamos expressando nossa motivação. E vejamos num exemplo: “Estou a fim de ler este livro todo” – o livro aparece como um elemento do ambiente que satisfará minha necessidade ou desejo de conhecer um pouco de Psicologia. O próprio ambiente, de alguma forma, gerou em mim esse interesse, ou porque li outros livros que falavam do assunto, ou porque meu colega citou a Psicologia como uma ciência interessante, ou porque vi uma psicóloga em um filme e me interessei. Ambiente – organismo – interesse ou necessidade – objeto de satisfação. Está montada a cadeia da satisfação.
Retomando, podemos dizer que a motivação é um processo que relaciona necessidade, ambiente e objeto, e que predispõe o organismo para a ação em busca da satisfação da necessidade. E, quando esse objeto  não é encontrado, falamos em frustração.

MOTIVAÇÃO E O PROCESSO ENSINO – APRENDIZAGEM

            A motivação está presente como processo em todas as esferas de nossa vida – no trabalho, no lazer, na escola.
A preocupação do ensino tem sido a de criar condições tais, que o aluno “fique a fim” de aprender. Sem dúvida, não é fácil, pois acabamos de dizer que precisa haver uma necessidade ou desejo, e o objeto precisa surgir como solução para a necessidade. Duplo desafio: criar a necessidade e apresentar um objeto adequado para sua satisfação.
Resolver esse problema é, sem dúvida, a tarefa mais difícil que o professor enfrenta. Consideraremos abaixo alguns pontos:
a.    uma possibilidade é que o trabalho educacional parta sempre das necessidades que o aluno traz, introduzindo ou associando a elas outros conteúdos ou motivos.
b.    outra possibilidade, não excludente, é criar outros interesses no aluno.

E como podemos pensar em criar interesse?

1.    Propiciando a descoberta. Burner é defensor desta proposta. O aluno deve ser desafiado, para que deseje saber, e uma forma de criar esse interesse é dar a ele a possibilidade de descobrir.
2.    Desenvolver nos alunos uma atitude de investigação, uma atitude que garanta o desejo mais duradouro de saber, de querer saber sempre. Desejar saber deve passar a  ser um estilo de vida. Essa atitude pode ser desenvolvida com atividades muito simples, que começam pelo incentivo à observação da realidade próxima ao aluno – sua vida cotidiana – , os objetos que fazem parte de seu mundo físico e social. Essas observações, sistematizadas, vão gerar dúvidas (por que as coisas são como são?) e aí é preciso investigar, descobrir.
3.    Falar ao aluno sempre numa linguagem acessível, de fácil compreensão.
4.    Os exercícios e tarefas deverão ter um grau adequado de complexidade. Tarefas muito difíceis, que geram fracasso, e tarefas fáceis, que não desafiam, levam à perda do interesse. O aluno não “fica a fim”.
5.    Compreender a utilidade do que se está aprendendo é também fundamental. Não é difícil para o professor estar sempre retomando em suas aulas a importância e utilidade que o conhecimento tem e poderá ter para o aluno. Somos sempre “a fim” de aprender coisas que são úteis e têm sentido para a nossa vida.

TEORIAS ATUAIS

As teorias de Vigotski e Piaget (que embasaram a produção de Emília Ferreiro) são, hoje, referência na questão da aprendizagem e, o mais interessante, é que essas duas teorias são muita antigas à Psicologia.

VIGOTSKI

Esse autor produziu toda a sua obra no início do nosso século, pois morreu cedo, deixando aos colegas de trabalho a tarefa de completar sua teoria. Hoje, sessenta anos após sua morte, o autor volta á tona com o merecido reconhecimento pela sua contribuição à Educação e à Psicologia.
Na década de vinte e inicio dos anos 30, Vigotski dedicou à construção da crítica à noção de que se poderia construir conhecimento sobre as funções psicológicas superiores humanas a partir de experiência com animais. Ele criticou, também, as concepções que afirmavam serem as propriedades intelectuais dos homens resultado da maturação do organismo, como se o desenvolvimento estivesse predeterminado e, o seu afloramento, vinculado apenas á questão de tempo.  Vigotski buscou as origens sociais dessas capacidades humanas. Além disso, via o pensamento marxista como uma fonte científica de grande valor para a solução dos paradoxos científicos fundamentais que incomodavam a Psicologia no início do século.
·         Os fenômenos devem ser estudados em movimento e compreendidos como em permanente transformação. Na Psicologia, isso significa estudar o fenômeno psicológico em sua origem e no curso de seu desenvolvimento.
·         A história dos fenômenos é caracterizada por mudanças qualitativas e quantitativas. Assim, o fenômeno psicológico transforma-se no decorrer da história da humanidade, e processos elementares tornam-se complexos.
·         As mudanças  na  “natureza do homem” são produzidas por mudanças na vida material e na sociedade.
·         O sistema de signos (a linguagem, a escrita, o sistema de números) é pensado como um sistema de instrumentos, os quais foram criados pela sociedade, ao longo de sua história. Esse sistema muda a forma social e o nível de desenvolvimento cultural da humanidade. A internalização desses signos provoca mudanças no homem. Seguindo a tradição marxista, Vigotski considera que as mudanças que ocorrem em cada um de nós têm sua raiz na sociedade e na cultura.
        
       Vigotski tem parte de sua obra dedicada às questões escolares e é por isso que, neste capítulo vamos reunir algumas considerações importantes feitas por ele e que podem contribuir para olharmos os chamados “problemas de aprendizagem” sob uma nova perspectiva: a das relações sociais que caracterizam o processo de ensino-aprendizagem.
       Para Vigotski, a aprendizagem sempre inclui relações entre as pessoas. A relação do indivíduo com o mundo está sempre mediada pelo outro. Não há como aprender e apreender o mundo se não tivermos o outro, aquele que nos fornece os significados que permitem pensar o mundo a nossa volta. Veja bem, Vigotski defende a ideia de que não há   um desenvolvimento pronto e previsto dentro de nós que vai se atualizando conforme o tempo passa ou recebemos influência externa. O desenvolvimento não é pensado como algo natural nem mesmo como produto exclusivo da maturação do organismo, o contato com a cultura produzida pela humanidade e as relações sociais que permitem a aprendizagem. E aí aparece o “outro” como alguém fundamental, pois esse outro é quem nos orienta no processo de apropriação da cultura.
          Ainda segundo o autor, o desenvolvimento é um processo que se dá de fora para dentro. É no processo de ensino-aprendizagem que ocorre a apropriação da cultura e o consequente desenvolvimento do indivíduo.
         A aprendizagem da criança inicia-se muito antes de sua entrada na escola, isto porque desde o primeiro dia de vida, ela já está exposta aos elementos da cultura e à presença do outro, que se torna o mediador entre ela e a cultura. A criança  vai aprendendo a falar e a gesticular, a nomear objetos,a adquirir informação a respeito do mundo que a rodeia, a manusear os objetos da cultura; ela vai se comportando de acordo com as necessidades e as possibilidades. Em  todas essas atividades está o “outro”. Parceiro de todas as horas, é ele que lhe diz o nome das coisas, a forma certa de se comportar; é ele que lhe explica o  mundo, que lhe responde os “porquês”, enfim, é o seu grande intérprete do mundo. São esses elementos apropriados do  mundo exterior que possibilitam o desenvolvimento do organismo e a aquisição das capacidades superiores que caracterizam o psiquismo humano.
A escola surgirá, então, como lugar privilegiado para esse desenvolvimento, pois é o espaço  em que  o contato com a cultura é feito de forma sistemática, intencional e planejada. O desenvolvimento – que só ocorre quando situações de aprendizagem o provocam – tem seu ritmo acelerado no ambiente escolar. O professor e os colegas formam um conjunto de mediadores da cultura que possibilita um grande avanço no desenvolvimento da criança.
A criança não possui instrumentos endógenos para o seu desenvolvimento. Os mecanismos de desenvolvimento são dependentes dos processos de aprendizagem, esses, sim, responsáveis pela emergência de características psicológicas tipicamente humanas, que transcendem à programação biológica da espécie. O contato e o aprendizado da escrita e das operações matemáticas fornecem a base para o desenvolvimento de processos internos altamente complexos no pensamento da criança. O aprendizado, quando adequadamente organizado, resulta em desenvolvimento mental, pondo em movimento processos que seriam impossíveis de acontecer. Esses princípios diferenciam-se de visões que pensam o desenvolvimento como um  processo que antecede à aprendizagem, ou como um processo já completo, que a viabiliza.
A partir dessas concepções, Vigotski construiu o conceito de zona de desenvolvimento proximal, referindo-se às potencialidades da criança que podem ser desenvolvidas a partir do ensino sistemático. A  zona de desenvolvimento proximal é a  distância entre o  nível de desenvolvimento  real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas pela criança, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado pela solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros. Esse conceito é importante porque nos permite delinear o futuro imediato da criança e seu estado dinâmico de desenvolvimento. Além disso, permite ao professor olhar seu educando de outra perspectiva, bem como o trabalho conjunto entre colegas, Aliás, Vigotski acreditava que a noção de zona de desenvolvimento proximal já estava presente no bom senso do professor, quando esse planejava o seu trabalho. Assim, Vigotski insistia na importância de a Educação pensar o desenvolvimento da criança de forma prospectiva, e não retrospectiva, como era feito. Sua crítica foi contundente. Segundo Vigotski, a escola pensa a criança e planeja o ensino de forma retrospectiva por considerar, como condição para a aprendizagem, o nível de desenvolvimento já conquistado pela criança. No seu entender, a escola deveria inverter esse raciocínio e pensar o ensino das possibilidades que o aprendizado já obtido traz. O bom ensino é aquele que se volta para as funções psicológicas emergentes, potenciais, e pode ser facilmente estimulado pelo contato com os colegas que já aprenderam determinado conteúdo. A aprendizagem é, portanto, um processo essencialmente social, que ocorre na interação com os adultos e os colegas. O desenvolvimento é resultado desse processo, e a escola, o lugar privilegiado para essa estimulação. A Educação passa, então a ser vista como processo social sistemático de construção da humanidade.
Sintetizando, poderíamos dizer que, para Vigotski, as relações entre aprendizagem e desenvolvimento são indissociáveis. O indivíduo, imerso em um contexto cultural, tem seu desenvolvimento movido por mecanismos de aprendizagem acionados externamente. A matéria-prima desse desenvolvimento encontra-se fundamentalmente, no mundo externo, nos instrumentos culturais construídos pela humanidade. Assim, o homem, ao buscar respostas para as necessidades de seu tempo histórico, cria, junto com outros homens, instrumentos que consolidam  o desenvolvimento psicológico e fisiológico obtido até então.  Os homens de outra geração, ao manusearam esses instrumentos, apropriam-se  do desenvolvimento ali consolidado. Eles aprendem e se desenvolvem ao mesmo tempo, adquirindo possibilidades de responder a novas necessidades com a construção de novos instrumentos. E assim caminha a humanidade...
A partir dessas concepções de Vigotski, a escola torna-se um novo lugar – um espaço que deve privilegiar o contato social entre seus membros e torná-los mediadores da cultura.  Alunos e professores devem ser considerados parceiros nessa tarefa social. O aluno jamais poderá ser visto como alguém que não aprende, possuidor de algo interno que lhe dificulte a aprendizagem. O desafio está colocado. Todos  são  responsáveis no processo. Não há aprendizagem que não gere desenvolvimento;  não há desenvolvimento que prescinda da aprendizagem. Aprender é estar como outro, que é mediador da cultura. Qualquer dificuldade nesse processo deverá ser analisada como uma responsabilidade de todos os envolvidos. O professor torna-se figura fundamental; o colega de classe, um parceiro importante; o planejamento das atividades torna-se tarefa essencial e a escola, o lugar de construção humana.












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